O meu encontro com a Alexa
Espero que você não esteja com pressa, porque, desta vez, não vai ser possível ir direto ao assunto, teremos que passar por alguns entretantos contextualizadores para chegar aos finalmentes. Sei que, entre as discussões do momento, estão as incógnitas sobre os avanços do que se convencionou chamar de Inteligência Artificial (IA).
Antes de tudo, quero dizer que sou de uma geração que viu “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, “Blade Runner”, “Metrópolis”, “Laranja Mecânica” (com e sem cortes), “1984”. Em síntese, o que antes, em tempo distante, era visto como ficção científica está bem próximo de nós.
Não canso de ver “Tempos Modernos” de Charlie Chaplin, filme lançado em 1936, que até hoje merece ser visto pela reflexão que promove, uma vez que explicita a importância dos valores humanos. Quando posso, indico para quem deseja encontrar a ternura com senso crítico.
Com o passar dos anos, aprendi a não ficar atado às lembranças do passado, nem aspirando a um futuro perdido no espaço. O presente já é o túnel do tempo. Tenho me colocado menos resistente às tecnologias que invadem o nosso cotidiano. Ligar para uma empresa prestadora de serviço sem passar por uma triagem eletrônica é uma raridade. Eu sempre espero para “falar com uma das atendentes”, mesmo que para isso tenha que ficar pendurado no telefone por longos minutos. Ainda prefiro conversar com humanos…
Para manter-me atualizado no uso dos aplicativos, tenho feito um esforço hercúleo. Sei que não há como conter o avanço da tecnologia, principalmente no campo da automação. Contudo, sempre fica a insegurança em relação ao uso indevido dos recursos tecnológicos. Basta citar a indústria de fake news, a avalanche de notícias falsas. Hoje temos que provar que não somos robôs para poder acessar determinados sites e tratar de assuntos que são do nosso interesse. Confesso que nunca pensei que um dia eu precisaria provar que sou humano para um sistema de processamento de dados.
Nesse período pascal, eu e Marta com um grupo de amigos fomos a São Paulo para participar da Via Sacra do Povo em Situação de Rua. Aprendemos muito. As lições da vida concretada nas ruas da maior cidade do país expõem as contradições provenientes das desigualdades sociais. A peregrinação pelo centro histórico da capital paulista nos fez acreditar que ainda temos muito que avançar para pôr fim às exclusões.
Para que tivéssemos uma convivência mais comunitária, alugamos um apartamento por Airbnb. Para minha surpresa, em cada cômodo do apartamento, havia uma Alexa. Entre os assuntos que levei para compartilhar com amigos e amigas, a maioria já na terceira idade, estava a questão da Inteligência Artificial (IA), principalmente ao que está relacionado a algoritmos, ChatGPT, Midjourney. Em um determinado momento em que eu expressava a minha opinião sobre esse assunto, pronunciei a palavra Alexa. De repente, ouvimos a seguinte expressão:
– Não entendi a sua configuração.
O riso foi geral. Ninguém esperava que ela se manifestasse assim, ou seja, havia ali uma máquina atenta nos ouvindo, que se manifestou quando mencionei o nome dela. No momento, lembrei-me da cena do filme “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, em que o robô HAL 9000 passou a tomar decisões arbitrariamente a partir da leitura labial que fazia quando os astronautas dialogavam sobre possíveis defeitos que poderiam ocorrer com a máquina.
Sei que as minhas “configurações” são humanas demais, impregnadas de metafísica, não funcionam na base de algoritmos. Não sou adepto do pragmatismo. Tenho falhas demais, as minhas lágrimas estão expostas, já não consigo retê-las diante do irreversível que tem as injustiças nas raízes.
No domingo de páscoa, último dia que iríamos ficar no apartamento, resolvi fazer as pazes:
– Alexa, boa noite, até a próxima!
– Boa noite! Até breve! Um abraço das nuvens.
Novamente o riso saltou espontaneamente, movido pelo abraço que veio das nuvens. O sabor da artificialidade sempre está presente nos atos mecânicos, cibernéticos. O amor ainda é o diferencial humano.