• O martim-pescador e a ratazana

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  • 28/03/2016 10:30

    A ideia de fazer esse texto surgiu na quarta-feira, quando passava pela ponte sobre o encontro dos rios Palatinato e Quitandinha. Olhei para o leito deste e vi, na margem direita, um Martim-Pescador. Pela cor alaranjada no peito, tratava-se de um macho. Parecia-me um pouco resignado, sem esperança, parado na ponta da calha de um dos esgotos que jogam a sujeira dentro do rio. 

    Quando parei e desliguei-me dos problemas, por alguns segundos, para apreciar a bela ave, eis que surge entre um cano grosso que passa dentro do rio e as pedras da margem direita, uma ratazana, inquieta, desconfiada, olhando para um lado e para outro. Parecia mais bem sucedida em busca de comida do que o Martim-Pescador. 

    Diante do sinal de trânsito vermelho para os pedestres, pensei naquela cena que acabara de ver: há sempre alguém que se beneficia com as sujeiras…

    Ultimamente, em virtude dos acontecimentos políticos, tenho ouvido um velho ditado português: “quando o navio está naufragando, os ratos são os primeiros a abandoná-lo.” 

    Mas, se há ratos no navio é porque há alimentos para ele e o serviço de desratização é falho.  Quem deseja conviver com eles tem que saber como agem. É do conhecimento popular que a sujeira propicia a proliferação.

    Quando vi nos jornais a lista de “doações” a mais de duzentos políticos filiados a 24 partidos, certifiquei-me da necessidade de por um fim nesse sistema eleitoral pautado no clientelismo, no assistencialismo, no tráfico de influência sem o menor escrúpulo. Há uma estrutura política viciada que favorece o enriquecimento ilícito. O bem público é visto como propriedade particular. As negociatas são realizadas com o dinheiro do povo. E as consequências são visíveis na precariedade da saúde, nas péssimas condições das estradas, na falta de recursos para a educação…

    Na citada quarta-feira, no final da tarde, quando saía de uma escola para outra, passei pela rua Caldas Viana, vi uma senhora catando frutas jogadas em uma lixeira que estava perto de uma banca de jornal. Mais uma vez, vieram à lembrança as cifras das “doações” que a empreiteira tinha feito aos mais de duzentos políticos listados. Será que essas “doações” são frutos do caráter filantrópico dos empreiteiros? Não se pode subestimar a inteligência da população de um país. Às vezes, fico pensando: quantas escolas, quantos hospitais poderiam ser construídos com esse dinheiro desviado dos cofres públicos e que se encontra em paraísos fiscais?

    Gosto de observar as aves. Várias vezes, fui ao lago de Nogueira para ver o Martim-Pescador mergulhar em um voo certeiro e subir com um peixe no bico. Nessa cadeia alimentar, nenhum pássaro dessa espécie armazena para comer depois. 

    Os ratos, coitados, são comparados com humanos. Todos sabem que eles não têm livre arbítrio, são movidos pelo instinto e têm um comportamento previsível. E não há um código de ética em suas relações, não existe na sociedade deles valores morais. No livro “A Revolução dos Bichos” de George Orwell, encontramos o seguinte manifesto:

    “O Homem é a única criatura que consome sem produzir. Não dá leite, não põe ovos, é fraco demais para puxar o arado, não corre o suficiente para alcançar uma lebre. Mesmo assim, é o senhor de todos os animais. Põe-nos a trabalhar, dá-nos de volta o mínimo para evitar a inanição e fica com restante. Nosso trabalho amanha o solo, nosso estrume o fertiliza e, no entanto, nenhum de nós possui mais do que a própria pele.”  – É válido mencionar, que a pele a que se referem não tem etiqueta.

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