
O lado político (disfuncional) de 1889
A tarefa mais difícil de um povo é criar instrumentos de controle do andar de cima. Encarar a dura realidade expressa na frase de Lord Acton: “O poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente”. Stálin e Ivan, o Terrível, são tétricos exemplos. Acton mereceu ser conhecido como ‘o magis-trado da História’. Poder e política, num sentido profundo, são sinônimos. A política exercida sem travas tem nome e se chama ditadura. A Carta de 1824 cuidou dessa questão através do poder moderador. A sabedoria convencional nos diz que dava poder demais ao Imperador. Será apenas isso?
Que tal examinarmos o lado positivo do poder moderador proposto por Benjamin Constant (1767-1830), o suíço. Ele desenvolveu uma teoria em que o poder real deveria ser um poder neutro. A proposta era a de um poder fiscalizador que restringisse os excessos dos poderes ativos: o executivo, o legislativo e o judiciário. D. Pedro I tinha o hábito ler duas horas por dia. Certamente, foi buscar no suíço a concepção do poder moderador. Foi também motivado pelos excessos das Cortes de Portugal que pretendiam reconduzir o Brasil à condição de colônia. E tornar o monarca uma figura decorativa.
É difícil dizer se teria conhecimento das virtudes únicas de um monarca constitucional como Chefe de Estado. São elas: (i) não depender de partidos políticos para conservar sua condição hereditária de Chefe de Estado; (ii) pela mesma razão, não necessita de políticos, e poderia até barrar seus arranjos em benefício de grupos via plebiscitos; (iii) tem inerente visão de longo prazo para manter a dinastia; (iv) seu interesse pessoal praticamente coincide com o público; e (v) como oferecer a um rei ou imperador algo melhor do que ele já tem para corrompê-lo? Um Chefe de Estado eleito não preenche sequer uma delas. É um caso curioso em que o voto é impotente como solução ideal.
Certa feita, em conversa com Dom Antonio de Orleans e Bragança, ele me disse que ele, como seus irmãos, não se julgavam melhor nem pior do que ninguém. Somos apenas diferentes. Na verdade, estava reivindicando o fato de que cada pessoas é única. Ou seja, cada um de nós é diferente de qualquer outra pessoa. Não há salto alto no que ele disse.
Mas existe no que foi dito uma faceta do diferente que merece registro. Quem já teve a oportunidade de ler ‘As Instruções do Marquês de Itanhaém aos Preceptores do D. Pedro II’ (Basta digitar no Google este título que vem no ato.) certamente entendeu o que há de diferente na educação de um monarca constitucional. A preservação do bem comum é incutida na visão do príncipe constitucional desde de sua infância. A Princesa Isabel e D. Pedro II deram provas concretas desta permanente preocupação.
E aqui retomamos, sem saudosismo algum, o lado disfuncional do poder, ou da política, no Brasil com a chegada da dita república. Não há como deixar de relembrar de Raúl Rojas, presidente da Venezuela na época, e sua tirada genial (e sombria) ao afirmar após tomar conhecimento do golpe militar que derruou a monarquia constitucional: “Pronto, lá se foi a única república de fato da América Latina!”. Ele era um homem culto que deixou sua marca como presidente lúcido e emprreendedor, muito diferente de Hugo Chaves e Maduro.
É cada vez mais notória a percepção de que o Congresso brasileiro precisa de uma mudança estrutural. Escolher pessoas sérias, como recomenda o cientísta político Bolívar Lamounier, é condição necessária, mas não suficiente. Assim como já foi dito que o preço da liberdade é a eterna vigilância, o mesmo se aplica à democracia em sua plenitude. Para tanto, é fundamental que o representado tenha controle efetivo de seu representante entre as eleições. E até o poder de substituí-lo em casos extremos. Sem tal dispositivo, que já tivemos e não temos mais, não funciona em bases permanentes.
Se recorrermos a Ruy Barbosa quando afirmou que o Parlamento do Império era uma escola de estadistas e o congresso da república, um balcão de negócios, já em 1915(!), constatamos que o balcão continua a pleno vapor desde então. E com tendência a piorar, como ocorreu com a felizmente falecida PEC da Blindagem. Mas o conserto precisa ir além, e incluir o judiciário onde a corrupção e as mordomias inaceitáveis não estão sob controle efetivo.
O deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança tem feito denúncias contundentes sobre as práticas lesivas ao bem comum que tomaram conta de Brasília. E da necessidade imperiosa de uma nova constituição. E esta precisa ser feita por um grupo de juristas altamente qualificados focados no interesse público, vale dizer, no bem comum. E não por grupos de interesse que capturaram a Carta de 1988, denunciados acerbamente, e com razão, por Roberto Campos.
O Brasil vive um momento em que se torna necessário pensar em soluções que não são levadas a sério. Um mudança na forma de governo deveria ser debatida sem preconceitos. Nós já tivemos em nossa Históra, aquela com letra maiúscula, em que fomos muito diferentes. Um Chefe de Estado, D. Pedro II, que, durante quase meio século, se recusou a aceitar aumentos na dotação da Coroa, que caiu de 5% do orçamento de Império para 0,5%, deu testemunho de seu compromisso com o bem comum.
Este fato é superficialmente interpretado como um ato de desprendimento de D. Pedro II. Mas há que ir mais fundo. Ao fazer isso, ele deixava a cargo dos repepresentantes da Nação recursos adicionais consideráveis para que fossem aplicados em prol do interesse público. Para tal, podia contar com homens públicos, os políticos do Império, capazes de zelar pelo bem comum. E, se assim não agissem, sabiam que a vigilância do monarca estava sempre atenta aos desvios de conduta. A simples possibilidade de o Parlamento poder ser dissolvido com convocação de novas eleições inibia eventuais institntos predatórios.
Que tal lançarmos mãos de plebiscitos para que o povo tenha voz e vez com a garantia de um monarca constitucional comprometido com o Bem Comum?
**Sobre o autor: Gastão Reis Rodrigues Pereira é economista e palestrante.
**Contato: gastaoreis2@gmail.com