O império construído pelo Mundo das Peças
O que caracteriza um mundo? Sua grandiosidade, as riquezas que abriga ou as pessoas que o habitam? Na Rua Visconde de Souza Franco talvez tenha sido o conjunto da obra. Imponente e variada, a loja do Mundo das Peças foi um mundo à parte pelas ferramentas que comercializou e pela equipe que a representou.
Foto: Arquivo pessoal Jorge Luiz Teixeira Coelho
Foto: Google Maps
Especializada na venda de autopeças, falar sobre a referida loja sem mencionar quem fez com que suas engrenagens se movimentassem é tarefa praticamente impossível. O início do negócio remete à década de 60, quando Alcindo Teixeira Coelho e Diniz de Souza Esteves deram início ao negócio que, mais tarde, se tornaria um império.
Conta Jorge Luiz Teixeira Coelho, irmão de Alcindo, que houve um tempo em que a Mundo das Peças chegou a oferecer 26 mil itens. Não surpreende, portanto, saber que a loja quase não enfrentou concorrência e se tornou referência não apenas em Petrópolis, mas em Nova Friburgo, Teresópolis e em algumas cidades de Minas, por exemplo.
“Eram em média 26 mil itens numa época em que ainda não existia informática. Trabalhamos lá eu e meu outro irmão, o Luiz. Devo ter ficado na loja por uns 30 anos”. Com início na Paulo Barbosa, o Mundo das Peças foi território novo para Alcindo, que na época atuava num segmento que nada tinha a ver com a loja que se pretendia abrir.
Da direita para a esquerda aparecem os irmãos Alcindo, Jorge e Luiz: do mais velho, ao mais novo. Foto: Arquivo pessoal Jorge Luiz Teixeira Coelho
“Meu irmão tinha um armazém de secos e molhados e somente depois partiu para esse ramo, que é muito complexo, mas muito gratificante também”, conta Jorge. ‘Seu’ Diniz, por sua vez, cresceu entre as peças e automóveis. Seu filho, Vagner Esteves, de 54 anos, recorda o carinho do pai pelo estabelecimento e pelo que ele representou.
“O primeiro emprego do meu pai foi no J. Varanda. Ele entendia muito de peça e montagem de estoque, e aí o Mundo das Peças se tornou a vida dele. Era o que o fazia viver”. Incapaz de dizer “não”, Vaguinho explica que era ao pai que a cidade recorria em situações de emergência, estivesse Diniz na loja ou em casa.
Foto: Arquivo pessoal Vagner Esteves
“Às vezes, domingo à noite aparecia alguém lá em casa atrás do meu pai porque o carro tinha quebrado. Aí ele ia na loja só para pegar a peça e vender para a pessoa”. Onde ao menos quatro lojas foram transformadas em uma, o Mundo das Peças também é só um na visão dos quatro filhos de seu Diniz. Para Vagner, Shirley, Sheila e Sandra, ele é saudade.
Saudade de ouvir o pai falar sobre a loja sempre que passava de carro em frente ao endereço em que ela operou ou de sua devoção ao empreendimento pelo qual daria tudo pelo bom funcionamento e tratamento dos clientes e funcionários, como foi o caso do ex-gerente Kleber Araújo, de 75 anos.
Funcionário de Alcindo ainda na época do armazém, Kléber foi peça-chave na empreitada seguinte do patrão. “Com história para contar”, ele revive a amizade cultivada com Alcindo, as compras de peças das quais fez parte na Rua São Cristóvão e as idas ao Salão do Automóvel para “aprender”.
“A gente estava sempre junto quando tinha que fazer as compras. Foi lá que eu comecei no ramo. De lá para cá tive minha própria loja e rodei, rodei e rodei. Só em autopeças”. E por falar em proximidade, quem também se relacionou com o Mundo das Peças e tem a própria história para contar é Daniela Moreira, sobrinha de Jorge.
Criança, à época, Daniela recorda as férias de verão passadas junto da prima Mariana, filha de Jorge, e das idas ao Mundo das Peças dentro de um cronograma de programas cuidadosamente selecionados. Afinal, o recesso era altamente esperado. Tempo de matarem a saudade uma da outra e de viverem juntas as próprias aventuras.
Até porque era isso que a loja representava à pequena Daniela: uma expedição em meio a peças que pareciam formar um túnel em direção ao escritório do tio, corredores que aos olhos de uma criança facilmente passariam como parte de um labirinto e um pátio que de tão amplo e organizado renderia boas sessões sob patins.
“Era uma diversão ir no Mundo das Peças. Era uma imensidão, um balcão enorme que pegava toda a frente da loja. Tenho a lembrança de um lugar muito limpo e organizado”. Incapaz de ‘desgrudar’ da prima, também é difícil desassociar as lembranças de Daniela sobre a loja da figura do tio. Afinal, para ela, aquele mundo foi representação de família.
“Lembro do escritório ficar no alto. Ele tinha uma janela grande e de lá meu tio acompanhava o movimento. Ele sempre acompanhou tudo muito de perto”. De perto ou de longe, o Mundo das Peças foi grandioso e caracterizado pelo conjunto de uma obra resistente à ação do tempo e escrita a várias mãos.
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