• O grito de São Paulo por uma nova constituição

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  • 08/jun 08:00
    Por Gastão Reis

    Brasileiras e brasileiros nos lembramos todos do mais famoso Grito, o do Ypiranga, aquele que tornou o Brasil um país independente. Foi dado por D. Pedro I, que nos legou a Carta de 1824, ainda hoje a mais longeva. E o foi, em boa medida, por ter no poder moderador um poderoso instrumento de controle do andar de cima, sem jamais ter sido usado para oprimir o povo. A Carta de 1988 e o STF conseguiram a proeza de pôr em prática o oposto.

    Foi justamente esta percepção que está na raiz do evento ocorrido em São Paulo, em 22 de maio passado, para o lançamento dos dois volumes de “Debates em torno da proposta de uma nova constituição do Prof. Modesto Carvalhosa” sobre seu livro anterior, de 2022, “Uma Nova Constituição para o Brasil – De um país de privilégios para uma nação de oportunidades”.  Juris-tas, economistas, jornalistas, politicólogos, dentre outros profissionais de renome nacional, estiveram presentes ao ato.

    O lado marcante do evento foi o fato de ter acolhido posições divergentes do autor homenageado. Nessa linha, no Prefácio do volume I, o jurista e editor Ives Gandra Martins nos fala da famosa frase de Aristóteles em relação ao seu mestre: “Sou amigo de Platão, mas mais amigo da verdade”. Vou levar em conta esta visão de Aristóteles nos meus comentários críticos, e construtivos, ao evento que pôs o dedo em nossa ferida constitucional e nos desmandos do STF. Ives Gandra, parodiando Clemanceau, ainda nos informa que a Lei Maior é importante demais para ser deixada apenas aos juristas.

    É impossível, neste espaço, fazer uma resenha de todos os participantes dos três painéis organizados para debater as questões levantadas pela proposta do Prof. Modesto Carvalhosa. O primeiro deles, “Uma Nova Constituição”, foi apresentado pelo próprio autor, tendo participado desta mesa os professores Luciano de Castro, Paulo Rabello de Castro e Fernado Menezes de Almeida. Esta primeira mesa teve como convidado especial o deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança, que também fez uso da palavra.

    O segundo, “Sistema Político e Partidário”, também apresentado pelo homenageado, foi composto pelos professores Bolívar Lamounier, Renata Rodrigues Ramos e pelo jornalista Fernão Lara Mesquita. O terceiro, “Reforma do STF e Tribunais Superiores”, também introduzido por Modesto Carvalhosa, teve a colaboração do Dr. Ricardo Peake Braga, do Prof. Ives Gandra Martins e do jornalista Carlos Alberto Di Franco. 

    A seguir, faço breves comentários sobre algumas intervenções dos componentes das mesas. A tônica de Paulo Rabello de Castro foi sobre a urgên-cia da mobilização para pôr o país em ordem e nos livrar da nossa coleção de décadas perdidas desde a de 1980. O Dep. Luiz Philippe enfatizou o fato de que nosso gargalo é a constituição de 1988. O modelo de amplo Estado social tira das pessoas seu poder de agir. Quanto mais Estado, melhor para o status quo de que precisamos nos livrar. Em sua visão, existe consciência da população dos problemas. O gás está no ar, falta a faísca da mobilização.

    Na segunda mesa, o cientista político Bolívar Lamounier nos fala do deus grego Janos, que tinha olhos para frente e para trás. Era capaz de enxergar o passado e o futuro. E de sua opção pelo parlamentarismo, diferente do presidencialismo proposto por Modesto Carvalhosa. Ficou subentendida a falha de nossa memória histórica cultivada, de caso pensado, pela república quanto a nossa longa tradição parlamentar, inclusive no plano municipal.

    Fernão Lara Mesquita defende o voto distrital puro como Lamounier e o recall. Até aqui, de pleno acordo. Mas esquece de nosso passado monárquico do século XIX com ampla liberdade de expressão e imprensa e de respeito ao dinheiro público. E de seu sucesso em termos econômicos, como nos comprova a recente pesquisa dos professores Bacha, Tombolo e Versiani, em que nossa renda real per capita cresceu 0,9% ao ano, acompanhando a Europa e vizinhos latino-americanos. A historiografia econômica consolidada não se sustenta.

    Na terceira mesa, o jornalista Carlos Alberto Di Franco deixa claro que a Constituição de 1988 travou o País. Está na boa companhia das ácidas críticas de Roberto Campos, que acertou na mosca neste ponto crucial. Até Sarney previu que o Patropi ficaria ingovernável com a fatídica Carta de 1988. Diz ainda que estamos dominados por uma casta atrelada à sua própria vaidade em contraposição a um Brasil real formado por um povo amável e trabalhador.

    A seguir, algumas observações pertinentes. Discordo do Prof. Modesto Carvalhosa sobre sua opção pelo presidencialismo e pela eliminação da reeleição para cargos executivos. Ao longo da história de nossos vizinhos e da nossa, a partir de 1889, o presidencialismo se revelou um regime disfuncional colecionador de reiteradas crises. Poderes harmônicos e independentes é uma contradição em termos, como sentimos na pele, dizia o Dep. Cunha Bueno.

    Num regime parlamentar (nosso até 1889), as crises podem ser resolvidas com um voto de desconfiança sem os traumas dos impeachments. E sem o grave problema de vários presidentes que chegam ao pode sem ter uma base parlamentar no Congresso. E que só se “resolve” na base de grossa corrupção. No parlamentarismo, o chefe do poder executivo, o Primeiro-Ministro, só toma posse após definir claramente seu apoio majoritário no Parlamento.

    Eu só fui perceber, confesso, a falsa narrativa republicana sobre o Império quando li, aos 40 anos, por volta de 1980, a excelente “História de D. Pedro II”, de Heitor Lyra, reeditada agora em apenas um volume. Nossos diplomatas historiadores, sempre atentos por dever de ofício a consultar as fontes, são o que há de melhor em relação ao que aconteceu de fato no passado quanto ao bom desempenho do Império na economia e na qualidade da vida política.

    Eles foram confirmados pela pesquisa já mencionada de Bacha, Tombolo e Versiani. A rigor, o desarranjo político-institucional teve início no golpe militar de 1889, como comprovo em dois novos anexos da segunda edição, a sair em breve, do meu livro “História da Autoestima Nacional – Uma investigação sobre monarquia, república e preservação do interesse público”.

    Mas não há dúvida de que o Grito de São Paulo vai ser ouvido. Em especial em seus desdobramentos quanto à imprescindível mobilização popular.

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