• O fogo comeu nossa alma

  • 07/09/2018 12:00

    Infâncias foram para sempre encantadas por esse ritual familiar tão sagrado: os pais levarem o filho pela primeira vez ao Museu Nacional. Era mágico. O meteorito, o esqueleto da baleia, a múmia do sacerdote, a pletora de borboletas e o prédio suntuoso, acompanhados do piquenique nos gramados do parque. Tendo recebido de meu pai essa bênção, a entreguei a minha filha, que a repetiu com meus netos. Círculo virtuoso, doação generosa de experiência e magia, de geração a geração. Acabou. O fogo no Museu Nacional destruiu afrescos, paredes, quadros, esqueletos, múmias, borboletas, peixes, memórias. Livros, pesquisas, teses, ciência. E sonhos! 

     A colega Monica Auler lembrou Roma incendiada por Nero. Minha mulher, Chardeli, sentiu como se ali “estivéssemos sendo cremados”. Eu disse: esse fogo comeu nossa alma. As redes sociais se mobilizaram, transbordando protestos, tristeza e raiva. Tragédia, a palavra correta. Se, graças a Deus, não morreu ninguém, no fogo morreram coisas que estruturam seres humanos e os fazem melhores, contando quem são, de onde vieram, como e para onde podem ir. Museu, portal de conhecimento, máquina do tempo, antessala de futuros. Se foi. Por isso, choramos. Eu disse, no primeiro momento: “pena que nossas lágrimas não sejam capazes de apagar essas chamas”. Porque, para aumentar a tragédia e fazê-la vexame, faltou água. 

    O BNDES tinha aprovado investimento para o Museu. Tarde demais. E não veio verba nem para o custeio, que carecia pouco mais de 500 mil por ano. Oportunistas estão metendo as labaredas na conta do Temer, que não é mesmo inocente. Mas ele assumiu só em fins de 2016, e a Dilma governou de 2011 até 2016. Embora o problema venha de antes, cito os dois, porque circulou montagem fotográfica de manchetes deste quadrante de tempo: 2015 – O Museu fecha por falta de verbas; 2016 – Suspensa a visitação, por falta de verbas; 2018 – Só há verba para medidas paliativas. E então, o incêndio.

    O Museu é da esfera da Educação. Mas isso não inibe a revolta diante da lista de aprovados pelo Ministério da Cultura para captação de recursos pela Lei Rouanet, em que o investimento de alguém é devolvido como abatimento no imposto de renda. Renúncia fiscal que, por reduzir receitas, despesa se faz. A lista é escandalosa! 1,5 milhão para filme sobre José Dirceu (2014); 500 mil para MC Guimê (2015); 4,1 milhões para Luan Santana (2014); 6 milhões para Claudia Leite (2013); 1,7 milhão para a Peppa Pig (2014); 17 milhões para musical do Shrek (2011); 800 mil para a exposição Queermuseum, com itens de pedofilia e zoofilia (2017); 1,3 milhão para a Parada LGBT-Rio (2017); 7,9 milhões para o Museu Lula (2015). Alguns, como Dirceu, Peppa Pig, Luan Santana e MC Guimê, não conseguiram atrair investidores. Mas só o fato de terem sido aprovados pelo Minc é absurdo! Poque no fim das contas, isso se fez em detrimento do Museu que para se manter respirando por aparelhos precisava de 520 mil por ano! Menos do que vale um só par de brincos comprados por Sérgio Cabral para a mulher com dinheiro roubado! Muito menos do que a reforma do Maracanã, que custearia o Museu por 2.400 anos! Que prioridades são essas?

    Na Semana da Pátria, perto das eleições mais difíceis da nossa história, a luz das labaredas destruindo riqueza científica e histórica, fogo comendo nossa alma, iluminam um doloroso retrato desse país à deriva e em luto por sua criminosa roubalheira e mediocridade.

    denilsoncdearaujo.blogspot.com

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