• O existir e o pensar

  • 28/10/2018 08:00

    Discernir é um ato que requer critérios. Não há discernimento sem uma hierarquia de valores. O direito de optar está inserido entre as condições do livre arbítrio. O exercício da liberdade pressupõe a possibilidade de escolha. O desafio de um regime democrático está em garantir o respeito às diversidades dessas escolhas. Cada cidadão tem o direito de expor o seu pensamento livremente. O pensar como uma condição do existir não se desvincula do contexto social, uma vez que “homem algum é uma ilha”, como afirmara Thomas Merton.

     “Penso, logo existo” (cogito, ergo sum), essa clássica frase cunhada pelo René Descartes (1596-1650) ainda hoje se evidencia quando se coloca em discussão a prática da racionalidade, tendo como propósito o desenvolvimento de um pensamento pautado na razão. Contudo, o existir não se limita ao aspecto racional. Por isso é necessário estabelecer o equilíbrio entre a razão e a emoção. Quando uma prevalece sobre a outra, as atitudes podem despertar a passionalidade que compromete as devidas ponderações em uma decisão a ser tomada.  

    Nesta reflexão, veio à memória um trecho do livro “Catatau” de Paulo Leminski, que tem como personagem o filósofo francês aqui citado:

    “Abri a porta: nada. Nada dizia nada. O nada no ar. O nada no som. A cidade não era nada. Eu não era nada. Mas eu voltei do nada. Nada tenho a declarar. O nada é o maior espetáculo da terra.” 

    Por arrogância, muitos lutam para sair desta condição, na qual se mantém a natureza humana: do pó, viemos e a ele, voltaremos. 

     E aqui, cabe citar os versos escritos por Fernando Pessoa com o heterônimo de Álvaro de Campos, no poema “Tabacaria”: 

    “Não sou nada./ Nunca serei nada./ Não posso querer ser nada./ À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.”

    Neste pleito eleitoral, o que menos se viu foram as manifestações de humildade e relações fraternas. O ódio dificulta o discernimento. Estamos em uma rota de colisão, que um passado, não tão distante, tem as cicatrizes para expor as marcas da intolerância. Sangue saltaram das veias sem sentido algum. A intransigência fecha a porta do diálogo. Indubitavelmente, estamos em um momento delicado, no qual, o equilíbrio é imprescindível para uma tomada de decisão sensata.

     O voto consiste em uma manifestação da opinião do eleitor, por isso deve ser consciente. É fundamental conhecer não somente o candidato, mas também a quem ele está aliado, porque, às vezes, ele é apenas uma face de um sistema que se pretende implantar. E, por essa razão, há muitos santos de pau oco, lobo em pele de cordeiro. Portanto, temos que ter muito cuidado para não trocar gato por lebre. Temos que verificar, analisar, avaliar para depois votar. Seguir em bando como manada, pode dar com os burros n’água.  

    Esse é um momento em que não podemos deixar a vida nos levar como um bar à deriva. Precisamos definir o caminho que pretendemos seguir. Votar é uma responsabilidade social. O ir às urnas não pode ser visto apenas como um dever cívico. Mas a expressão de um pensamento que pode contribuir para a organização política do país.

     Quando me deparo com os discursos doutrinários sempre vem à mente os versos do poeta José Régio, que está no poema “Cântico Negro”: 

    “Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,/ Ninguém me peça definições!/ Ninguém me diga: "vem por aqui"!/ A minha vida é um vendaval que se soltou,/ É uma onda que se alevantou,/ É um átomo a mais que se animou…/ Não sei por onde vou,/ Não sei para onde vou/ – Sei que não vou por aí!"


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