• O Evangelho do bom balcão

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  • 26/08/2017 11:05

    Há aquela padaria em frente ao prédio do antigo Colégio São José. Na esquina da Praça Oswaldo Cruz, em cuja beira ficam as capelas funerárias. Ponto da cidade paradeiro de todos nós. Lá estivemos ou estaremos para nos despedir de alguém, para confortar amigos, parentes. Quando não, pois disso ninguém escapará, para sermos nós o motivo da despedida e pranto. Um local aceso de sensibilidades. Lágrimas percorrem as calçadas. Soluços, às vezes. Emoções contidas, olhos inchados, arregalados, gente abismada, assustada ou só triste. Pessoas atrás do carro fúnebre, interrompendo o tráfego, para a lenta caminhada de adeus até o cemitério. A tal padaria foi por mim visitada em dia de triste e longo velório. É comum, pessoas ali vão comprar água ou lanches para os que velam, ou os que velam, ali vão aliviar a fome e as amarguras nessa hora em que as refeições são postergadas para que o luto exerça sua prioridade. 

    Tive boa surpresa na congelante tarde de inverno. Meditativo eu estava, cansado e tristonho. Pedi um sanduíche e um suco. Já tinha me chamado a atenção, a presteza cordial do atendente. Célere e jovial, mas não jovem. Um senhor. A todos dispunha um sorriso e um apreço que tantas vezes escasseiam em balcões da cidade. Quando veio o lanche, o suco de mamão com laranja estava muito gelado. Tenho baixa imunidade. Com o frio glacial do dia, era nefasta a combinação. Perguntei se tinha colocado gelo no suco. Ele disse que não, as frutas é que ficavam na geladeira, o que dava o suco gelado. Conformado, fui tomando o suco, tentando domar com miúdos golinhos o efeito Frozen. O atendente já estava em trinta outras atenções a mil novos fregueses. Mas, jamais descuidou de mim e perguntou: está muito gelado para você, não é? Quando confirmei, ele disse, espera um pouco. Pegou novo copo e mergulhou-o na água fervente do café. Assim aquecido, o copo recebeu o suco, reduzindo um pouco o frio glacial, mas ainda estava gelado. Homem de mil braços e sorrisos, sem que eu precisasse pedir, o atendente repetiu a operação mais duas vezes, gentil e sem qualquer chateação com cliente assim tão sensível. 

    Logo apareceu alguém pedindo aquele salgado de bar, chamado “tapa na cara”. Me dá dois tapas na cara, pediu o moço. Sem mal entendidos que gerassem qualquer agressão, o mesmo atendente providenciou o pedido. O rapaz acresceu: para viagem. Velozmente os salgados iam sendo embrulhados – e em papel-alumínio, diga-se, para que aquecidos ficassem – e o zeloso atendente meteu guardanapos a separar as duas chapas de carne no embrulho. Vendo isto, o freguês acusou: tem poucos guardanapos, põe mais aí, por favor. Enquanto terminava o pacote, o balconista informou: é que coloco os guardanapos adicionais por fora, no saco plástico, para que não se molhem na umidade do salgado, ok? Fechou o atendimento com um sorriso, e partiu para outro freguês, este antigo, com o qual assuntou futebol, sem perder o zelo com os demais.

    Acabei meu lanche, encantado com o espetáculo de simpatia e competência. Fiz questão de estender a mão ao senhor e lhe dar parabéns pelo atendimento. Em qualquer lugar tal atendimento eficaz e bem-humorado seria bem-vindo. Mas ali, onde a dor mora ao lado, tal atendimento é bálsamo. Pecado meu, que não perguntei-lhe o nome. Mas guardei seu exemplo, desse homem simples que prega um evangelho naquele balcão. Como todos devíamos fazer em nossos balcões, bancas e consultórios.

    denilsoncdearaujo.blogspot.com

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