O espírito de Natal e igualdade
As festas natalinas resistem à passagem do tempo. Até em países onde o cristianismo não é a religião dominante acaba sendo comemorado. É como se uma magia benfazeja nos dominasse a todos, pouco importando a latitude e a longitude, raças e línguas diferentes. Típico inglês, o pai do renomado escritor Aldous Huxley, nos surpreende duas vezes. Dizia que era racista. E explicava, afirmando que era 100% a favor da raça humana. Este espírito de celebração e amor nos foi transmitido por Cristo quando esteve por aqui trazendo-nos a Boa Nova. Em especial, ao nos comunicar que todos somos iguais perante Deus.
Mas nem sempre foi assim. E não foi assim por séculos. A tradição religiosa greco-romana era diametralmente oposta. O grande filósofo grego Aristóteles, que viveu mais de três séculos antes de era cristã, nos fala daqueles que “são naturalmente escravos, e para eles nada melhor do que estarem sujeitos à autoridade de um senhor.” Pior, durante 60 séculos, de 4000 A.C. a 2000 D.C., período em que temos registros escritos sobre a trajetória humana no planeta terra, a escravidão foi vista como um fato natural da vida em diferentes épocas e povos. A escravidão só foi banida como inaceitável há pouco mais cem anos.
Mas, curiosamente, mesmo na tradição cristã, a desigualdade dos seres humanos diante de Deus persiste. O calvinismo, por exemplo, professa a doutrina dos eleitos, os beneficiados pela graça divina. Embora sem garantias individuais de sermos um deles. A visão calvinista deixava, no entanto, uma porta entreaberta: a riqueza material não garantia que a pessoa fosse um dos eleitos, mas refletia a boa vontade divina. Psicologicamente, essa crença encorajava cada fiel a trabalhar duro em busca da riqueza e da possível salvação. O sabor amargo dessa relação com Deus é que nem Ele quer saber dos pobres.
Na tradição católica e de outras denominações evangélicas, a parábola em que Cristo diz que “é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no céu” vai na direção contrária da interpretação calvinista. Quando nos lembramos que Cristo não nasceu em berço de ouro, mas foi acomodado numa simples manjedoura, no frio do inverno, é como se ele, nascendo na pobreza, estivesse se solidarizando com todos os pobres do mundo. A primeira visita que recebeu, de fato, foi a dos pastores, gente simples e pobre. Mais ainda: o Pai Eterno deu assim Seu testemunho ao permitir que seu filho amado viesse ao mundo desse modo tão singelo.
Por outro lado, ao receber a vista dos reis magos, certamente pessoas de posses, que Lhe trouxeram ouro, mirra e incenso, Deus confirma o fato de que Cristo, a verdade revelada, veio para todos. Dificuldade não significa que São Pedro fechará as portas aos ricos. Mas a riqueza pode nos induzir a nos afastar d’Aquele que nos deu a vida quando o dinheiro se torna objeto de veneração.
Um exemplo interessante é a tradição no mundo de língua inglesa de bilionários doarem de 80 a 90% de sua fortuna para causas filantrópicas. Para a família, resta uma parte pequena. Bill Gates já disse que vai fazer o mesmo. Interessantes são as declarações desses bilionários na linha de devolver à sociedade o muito que dela recebeu. Sem dúvida, uma visão de quem assume uma atitude de responsabilidade social, colocando a mão no bolso em benefício da comunidade, vale dizer, de todos. Exemplo a ser imitado.
A humanidade aprende muito devagar. Após a vinda de Cristo, levamos quase dois mil anos para nos livrarmos da escravidão. Ou seja, para termos uma relação de igualdade e respeito ao próximo. A boa notícia é que organizações internacionais estão firmes na defesa da igualdade. Em especial para reduzir as diferenças materiais agudas entre as pessoas. O Natal antecipa, mesmo que por um período curto, aquele mundo em que o amor ao próximo reinará plenamente. A fé nos abrirá as portas nessa direção. Feliz Natal!
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