• O discurso entalado

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  • 22/05/2016 08:00

    Se eu fosse parlamentar, chamado à tribuna para opinar sobre este longo, complicado e desgastante rito de impedimento presidencial, gostaria de dizer algo assim:

    “Nobres Presidente e Colegas: vou ser sucinto. Abro, recordando o destino de um gangster americano da década de 1930, chamado Alphonse Capone. Autor de inúmeros crimes, só foi preso por sonegação fiscal. Detalhes administrativos encerraram a carreira do inimigo público nº 1 em Chicago. Os policiais recorreram, diante dos álibis mil, ao que a lei lhes facultava.

    Em condições completamente diversas, tivemos que recorrer ao que a lei acolheu para que se pudesse pôr fim à decadência acelerada de nossos padrões éticos, sociais, econômicos, políticos e de normas de convivência entre as pessoas: o impedimento. O pedido de impedimento era e é o único caminho legal a ser trilhado neste momento, para “reverter as expectativas”, já que os constituintes não acolheram o mecanismo mais democrático e racional da confirmação do mandato (ou recall), que avaliaria o problema básico do “conjunto da obra”.

    As condições a que fomos conduzidos são dramáticas. O déficit envergonhado e já alucinante de 96 bilhões bem poderá alcançar o dobro, após as auditorias em curso e o drama da Eletrobrás. As legiões de desempregados, efeito mais perverso da crise (junto com a educação, a saúde  e a segurança sucateadas) não deixarão de crescer de uma hora para outra, acarretando dramas familiares sem conta nem tamanho. A União quebrou, os Estados quebraram, os Municípios vão quebrar se não formos chamados à união por quem de direito em torno de medidas de salvação.  

    Não me parece razoável a atitude dos que colocam o seu arbusto na frente da floresta Brasil. Não é hora de partido, segmento social, facção de qualquer natureza. O traumático impedimento está em curso, seguindo o rito definido pelo Supremo; podemos continuar a defender nosso time ou reconhecer que o momento exige grandeza de todos. Empunhar cartazes que traduzem o ditado “Farinha pouca, meu pirão primeiro”, não parece atitude à altura da hora. Ainda mais quando não há farinha nenhuma em muitos lares de desempregados, vítimas de desastres naturais ou esquecidos de sempre.

    Todos os partidos detêm a sua parcela de responsabilidade, e reduzir a tragédia a um debate entre “nós” e “eles” é irresponsável. As raízes de nossos problemas devem ser buscadas na Constituinte, quando foi criado o absurdo monopólio partidário na escolha dos candidatos, gerando as cenas patéticas de plenários e comissões às quais assistimos pela TV. Não só preferiram o impedimento à confirmação do mandato, como deram aos partidos absurdos privilégios (monopólio eleitoral, recursos públicos, TV, ausência de controle, regalia de estatutos com caráter interna corporis, etc. 

    Quando a Constituinte dividiu os eleitores em duas classes, impedindo 89% dentre eles de participarem da escolha dos candidatos a cargos eletivos, estava gerando a crise que vivemos hoje. E já que só nos permitiram o impedimento para corrigir algum  erro cometido quando de uma eleição disputada entre marqueteiros e irrigada com recursos ilícitos, pois usemos deste mecanismo. Obrigado”.


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