• O crime de estupro de vulnerável e suas raízes na omissão do poder público

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  • 04/08/2023 08:00
    Por Juliana Ziehe

    Alguns temas ligados à segurança pública que circularam nas redes sociais me chamaram atenção essa semana. Dentre estes, o aumento dos crimes de estupro na cidade de Petrópolis, quando comparado o primeiro semestre de 2023 com o mesmo período do ano passado.

    Sobre o tema, trabalhar com informação adequada torna-se de suma importância para o combate de crime tão violento. O abuso sexual vai muito além da agressão ao corpo da vítima, atingindo, especialmente, seu emocional e psicológico. Por essas razões, o enfrentamento a esse tipo delito impõe a intervenção de múltiplos atores, muito além da Polícia Civil, responsável pela investigação criminal.

    De acordo com os dados divulgados pelo Instituto de Segurança Pública, o crime de estupro é cometido, em sua grande maioria, em face de meninas e menores de idade. Trata-se, portanto, do que a legislação chamou de “estupro de vulnerável”, com previsão no art. 217-A do Código Penal. Nesse caso, os agressores comumente são parentes ou pessoas próximas do convívio da criança, que se aproveitam dessa relação de confiança para a prática do abuso sexual. Por ser um crime que normalmente acontece dentro de casa, o policiamento ostensivo realizado nas ruas pela Polícia Militar torna-se inócuo na prevenção desse tipo de delito.

    Daí a importância do estudo dos indicadores sobre o perfil das vítimas de estupro para nortear uma política de segurança pública que combata efetivamente os fatores que contribuem para esse tipo de violência e criminalidade. Em outras palavras, significa dizer que a segurança pública deve colocar maior ênfase na prevenção ao invés de focar exclusivamente nas ações reativas perante fatos consumados. Não se quer dizer com isso que a punição dos agressores não seja importante, mas trabalhar com a prevenção é essencial para a redução dos índices de criminalidade, evitando-se, antes de tudo, a prática da infração penal.

    Nesse sentido, um paralelo pouco explorado quando se aborda o estupro de vulnerável é a correlação com a rede pública de ensino e a importância do acolhimento das crianças em um local adequado para o seu desenvolvimento.  Por isso é tão importante a criação e manutenção de uma rede de creches e escolas, preferencialmente em período integral, para acolher crianças e adolescentes durante o período em que seus pais estão trabalhando.

    O Supremo Tribunal Federal já fixou entendimento de que a educação básica é um direito fundamental. Dessa forma, deve o poder público assegurar vagas em creches e pré-escolas às crianças de até 5 anos de idade. O ensino integral na educação também é importante nesse cenário, pois a permanência nas escolas evita a exposição dos jovens a diversos fatores de riscos. Todavia, no dia a dia, diante da necessidade de sair para trabalhar, muitas mães se vêem obrigadas a deixar seus filhos com vizinhos ou parentes próximos. Isso acontece por conta da ausência de vagas em creches e pré-escolas na rede municipal de ensino. E não é segredo a assombrosa lista de espera por vagas em creches no município de Petrópolis, que, infelizmente, não difere da realidade de outros municípios. A lista em epígrafe está disponível no site da Prefeitura e revela uma defasagem de quase 1.500 vagas. Essa omissão do poder público acaba favorecendo o acolhimento precário de crianças, constituindo importante fator facilitador do abuso sexual.

    Por esse motivo, uma política de segurança pública voltada para a prevenção do crime de estupro deve abarcar outros direitos fundamentais, como o direito à educação e assistência social. Superar os debates tradicionais em torno da segurança, alcançando as imbricações com a educação básica, é salutar para a sedimentação de uma política de segurança eficiente.

    No mais, os pais devem ficar atentos às mudanças repentinas de comportamento de seus filhos. Especialistas chamam atenção para alteração de humor, agressividade, introspecção, vergonha excessiva, medo ou pânico, recusa em se aproximar de determinada pessoa, regressão como fazer xixi na cama, choro sem motivo aparente, etc. Importante manter um diálogo com eles sobre o tema, respeitando a faixa etária de cada criança. Os pais sempre devem procurar o auxílio de um profissional em caso de dúvida.

    Para aquelas crianças já matriculadas na rede de ensino, os professores que mantêm contato diário com as crianças são atores fundamentais quando o assunto é violência sexual. Isso porque, quando o crime de estupro envolve algum familiar, muitas crianças acabam encontrando na escola um abrigo para dividir suas angústias. Médicos que notem alguma lesão durante uma consulta médica também devem ficar atentos, sendo imprescindível a comunicação da violência aos órgãos competentes, em especial à Polícia Civil, órgão responsável por conduzir uma investigação criminal.

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