• O confronto bolsonarista “o Bem contra o Mal”: um erro filosófico, um antagonismo falso e uma proposta absurda

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  • 07/08/2022 09:00
    Por Leonardo Boff

    O confronto que o PL e o presidente a ele filiado  propõem como estratégia política de campanha eleitoral representa um irremissível erro filosófico. É o maniqueísmo que falsamente imagina haver um princípio dualista, de um lado somente o mal  e do outro somente o bem e sempre se confrontando. Eles, os fanatizados, se apresentam como os portadores  do bem. Os outros, do mal.

    Reflitamos: toda realidade humana, pessoal e social carregam, misturadas e juntas, as dimensões de bem e as dimensões de mal. Essa é a condição concreta da realidade histórica: a convivência, junta e misturada, de ambas as dimensões. Cada  um dá primazia a uma destas dimensões, ou o bem ou o mal, embora não consiga, como uma sombra, me libertar dela mas posso sempre mantê-la sob vigilância. Aqui surge o caráter ético da opção e de suas práticas, seja da dimensão do bem  seja daquela  do mal.

    Quando um grupo fanatizado e seu líder optam pelo ódio, pelo espírito de vingança, pela mentira, pela violência, pela magnificação da ditadura e da tortura  usa do fake news, estes decididamente não podem reivindicar “nós somos homens do bem”. Eles optaram pelo mal, admitamos,  sem conseguir sufocar o bem  que é inerente à nossa natureza pessoal e social. Pois é isso que, inequivocamente, está ocorrendo com o atual presidente e seus seguidores, rubros de ódio e engolfados de raiva. Querem o mal para seus adversários pensando fazer o bem ao país. Na verdade, invertem a realidade cometendo um erro filosófico.

    Os fanáticos bolsonaristas e seu líder ,com características desviantes por sua falta completa de empatia, pela brutalização de suas comunicações e perda da dignidade inerente ao cargo que ocupa, propõem um falso antagonismo. Qual é o verdadeiro antagonismo: é entre a defesa da vida, a partir daqueles mais vulneráveis, ou a completa falta de cuidado dela, especialmente neste momento sob a pandemia do Covid-19? É a transparência na coisa pública ou um orçamento secreto, sem critérios técnicos e faltos de toda equidade na distribuição dos bilhões de reais? É a busca do equilíbrio e da paz social ou o empenho de acirrar conflitos, destruir a reputação de autoridades e de políticos com falsas acusações, dossiês forjados? É defender o pacto social codificado na Constituição e nas leis ou atacá-lo sistematicamente e desrespeitar toda e qualquer norma? É ameaçar com uma ruptura institucional, rompendo o equilíbrio dos três  poderes e difamando especialmente um deles,  o STF? É armar o povo com todo tipo de armas (armas são para matar, seja agredindo seja se defendendo) ao invés de ensinar a amar, propiciar o diálogo, a conciliação e o ganha ganha? E poderíamos aduzir mais dados do antagonismo como a malévola destruição do processo educativo, a desmontagem da cultura e o incentivo à discriminação e o ódio contra negros, indígenas, mulheres e de pessoas de outra opção sexual ao invés de propiciar a convivência pacífica e a acolhida das diferenças? Pois  o grupo fanatizado dos bolsonaristas e de seu líder promovem  e exaltam este falso e odioso antagonismo. Existe em toda política oposição, mas não  pode se transformar numa contraposição, a transformação do adversário em inimigo. É o fazem cotidianamente.

    Por fim temos a ver com uma proposta absurda, destituída de qualquer sentido humano e humanístico. Nenhuma sociedade historicamente conhecida prosperou e se consolidou sobre a exclusão, o ódio, a perseguição, a injustiça, a mentira e a afirmação da morte. Formular tal proposta repugna à inteligência que se rege pela busca da verdade e afronta a consciência dos valores éticos e morais. Ela pode pela violência e repressão ser imposta por certo tempo, mas não possui sanidade interior de poder se firmar.

    Esta proposta absurda  do confronto entre o bem  e o mal  como mote eleitoral pelo PL e pelo o presidente, buscando por tal estratégia busca a reeleição, está fadada ao franco fracasso. No fundo esta proposta é suicidária. Como dizia um conhecido escritor brasileiro citando Shakespeare: eles tomam o veneno pensando que o outro vá morrer envenenado. Eles estão se envenenando.

    Esta eleição de 2022 possui um claro caráter plebiscitário: ou optamos pela vida da natureza e pela vida das grandes maiorias humilhadas, ofendidas, famintas e desempregadas  ou optamos pelo poder que castiga, covardemente marginaliza, destrói a democracia e o Estado democrático de direito, depreda a natureza, aliena os bens públicos e prolonga a dependência para impor um autoritarismo fascistóide, obtuso, anti-vida, anti-cultura e anti-povo e sempre dependente de um poder maior e exterior. A seguir esse rumo transformará o nosso país em pária, no qual as grandes maiorias viverão na exclusão, na marginalização e na pobreza, senão na aviltante miséria.

    Cumpre reconstruir o que foi destruído e aproveitar a ocasião para, de fato, realizar o sonho de nossos melhores de concluir a refundação do Brasil, expressão de uma civilização biocentrada nos trópicos. Por sua magnitude e abundância de bens de vida, poderá ser a fonte de água doce para saciar as sedes de milhões e a mesa posta para as fomes do mundo inteiro.

    Leonardo Boff escreveu Brasil: concluir a refundação ou prolongar a dependência, Vozes 2018.

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