• O comércio da privacidade

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  • 13/02/2021 08:00
    Por Ataualpa Filho

    Hoje é possível constatar a presença de um produto no mercado visto como lucrativo: a privacidade — com um celular na mão, muitos acham que não precisam ter uma ideia na cabeça. Fico imaginando o que diria Glauber Rocha diante de tanta gente que, sem ideia alguma, coloca uma câmera sobre si para filmar o cotidiano e exibir, sem pudor, a privacidade em redes sociais. E assim, ridicularizam-se para causar impacto na mídia. A propagação do vazio tem criado um vácuo na sociedade: a discussão sobre futilidades tem desviado a atenção do povo que precisa estar mobilizado, focado em problemas seriíssimos que o afetam.

    Confesso que ainda não consegui entender a razão pela qual várias pessoas sentem necessidade de fazer publicidade das suas relações íntimas. Sei que este texto pode ser interpretado como um desabafo. Mas é que não tenho interesse em saber da vida de pessoas com as quais não tenho nenhum relacionamento. Aprendi, na infância, a não cultivar interesses pela vida alheia, não disseminar fuxicos. No Nordeste, homem fuxiqueiro é desqualificado.

    As chamadas “candinhas”, “mexeriqueiras”, “fofoqueiras” ocupavam-se com a propagação de boatos. Isso era visto como um problema de educação moral, tendo como base o oitavo mandamento da doutrina cristã que se refere a falsificar a verdade nas relações com outrem, ou seja, “levantar falso testemunho”. Mas hoje isso se tornou profissão. Há pessoas que vivem exclusivamente com o propósito de falar da vida dos outros, de produzir as ditas “Fake News”.

     “Os “babados fortes” têm provocado intrigas. Os boatos circulam e são deturpados provocando desavenças. E a discórdia implantadatambémvira notícia. Em síntese, existe a indústria do boato que se aflora pelas redes sociais. O triste é saber que existem pessoas que gostam de provocar polêmicas pelo simples desejo de ver o seu nome ventilado na mídia. E assimnutrem a vaidade pelo rótulo de “famoso(a)”, “celebridade”…

    Estamos vivendo em um período pandêmico com milhares de pessoas mordas por causa de um vírus. Em momento tão crítico, deparamos com pessoas preocupadas com futilidades, fazendo publicidade de suas relações afetivas, tornando públicas suas opções sexuais, expondo fotos sem nenhum pudor, somente para ter a atenção da mídia. Em muitos casos, há uma visível manifestação de carência e um desejo desesperado de ganhar notoriedade exibindo o próprio corpo em uma sensualidade que só expõe o medo da solidão e o vazio interior. Procurar visibilidade na mídia exibindo parceiro e/ou parceira trata-se de um apelo à mediocridade.E, por meio dessa obsessão publicitária, tentam tirar algum benefício financeiro.

    Neste período tão difícil, considero inconsequente o reality show chamado de “Big Brother”.  Confinar pessoas para que elas passem a viver conflituosamente é tão nocivo quanto as rinhas de galo. A força da ignorância aliena. O país atravessa uma severa crise,por isso desvirtuar a atenção do povo para as futilidades é um desserviço social.

    Não me considero como membro da ala moralista. Porém, não sou adepto dessa ideia de criar escândalos só para atrair os flashes. Muitos ganham mais evidências pelas polêmicas criadas, pelas declarações que fazem do que pela arte que produzem. Há os que usam a irreverência para suprir a falta de talento. É triste ver a mediocridade em expansão. O tempo ameniza um pouco essa tristeza, pois pulveriza os sucessos efêmeros sem a criatividade inerente ao talento. A arte, sem artifício, eterniza-se na memória do povo. Mas há aqueles que trabalham apenas para o verão, não completam primaveras, nem aquecem no inverno, nem dão frutos no outono.

    Não podemos nos deixar levar por essa onda de futilidades. Nessas pessoas que agem em função do umbigo, que gostam de atrair os holofotes não se encontram um lastro de ações sociais solidárias, porque a humildade e a discrição fogem dessas luzes que só brilham nos picadeiros.Vamos caminhar e cantar de mãos dadas sem o porre dos flashes.

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