O comércio da privacidade
Hoje é possível constatar a presença de um produto no mercado visto como lucrativo: a privacidade — com um celular na mão, muitos acham que não precisam ter uma ideia na cabeça. Fico imaginando o que diria Glauber Rocha diante de tanta gente que, sem ideia alguma, coloca uma câmera sobre si para filmar o cotidiano e exibir, sem pudor, a privacidade em redes sociais. E assim, ridicularizam-se para causar impacto na mídia. A propagação do vazio tem criado um vácuo na sociedade: a discussão sobre futilidades tem desviado a atenção do povo que precisa estar mobilizado, focado em problemas seríssimos que o afetam.
Confesso que ainda não consegui entender as razões pelas quais várias pessoas sentem necessidade de fazer publicidade das suas relações íntimas. Sei que este texto pode ser interpretado como conservador e intransigente. Mas é que não tenho interesse em saber da vida de pessoas com as quais não tenho nenhum relacionamento. Aprendi, na infância, a não cultivar curiosidades pela vida alheia, nem disseminar fuxicos. No Nordeste, o homem fuxiqueiro é desqualificado.
Antes da febre das redes sociais, as romanticamente chamadas de “candinhas”, “mexeriqueiras”, “fofoqueiras” ocupavam-se com a propagação de boatos. Isso era visto como um problema de educação moral, tendo como base o mandamento da doutrina cristã que se refere a não falsificar a verdade nas relações com outrem, ou seja, “não levantar falso testemunho”. Mas hoje, isso se tornou profissão. Há pessoas que vivem exclusivamente com o propósito de falar da vida dos outros, de produzir as ditas “Fake News”.
Os “babados fortes” têm provocado intrigas. Os boatos circulam e são deturpados, provocando desavenças. E a discórdia implantada também vira notícia. Em síntese, existe a indústria do boato que se aflora pelas redes sociais. O triste é saber que existem pessoas que gostam de provocar polêmicas pelo simples desejo de ver o seu nome ventilado na mídia. E assim nutrem a vaidade pelo rótulo de “famoso(a)”, “celebridade”, “subcelebridade”…
Considero fútil o desejo de ganhar espaço na mídia a partir da publicidade de preferências sexuais, exibindo parceiros e/ou parceiras dos relacionamentos com data de validade, pois são efêmeros, porque há interesses, não laços afetivos. Procuram visibilidade para falar de relacionamentos que deixaram de ser íntimos, uma vez que são levados ao conhecimento público. Tenho plena certeza de que isso não soma na busca de soluções para os problemas que afetam a Nação. Não me acrescenta em nada saber que o “ex” da “ex” estava com o “ex” do “ex” na festa em que rolou de tudo sem “lacração”.
Não me sinto como membro da ala moralista. Porém, não sou adepto dessa ideia de criar escândalos só para atrair flashes. Muitos ganham mais evidências pelas polêmicas criadas, pelas declarações que fazem do que pela arte que produzem. Há os que usam a irreverência para suprir a falta de talento. É triste ver a mediocridade em expansão. O tempo ameniza um pouco essa tristeza, pois pulveriza os sucessos efêmeros sem a criatividade inerente ao talento. A arte, sem artifício, eterniza-se na memória do povo. Mas há aqueles que trabalham apenas para o verão, não completam primaveras, nem aquecem no inverno, nem dão frutos no outono. Em muitos casos, há uma visível manifestação de carência e um desejo desesperado de ganhar notoriedade exibindo o próprio corpo em uma sensualidade que só expõe o medo da solidão e o vazio interior.
Não podemos nos deixar levar por essa onda de futilidades, nem nos deixar influenciar por pessoas que agem em função do umbigo, que gostam de atrair os holofotes. Nelas, não encontramos lastros de ações sociais solidárias, porque a humildade e a discrição fogem das luzes que só brilham em picadeiros. Vamos caminhar e cantar de mãos dadas sem o porre dos flashes.
Neste período tão difícil, considero inconsequente o reality show chamado “Big Brother”. Confinar pessoas para que elas passem a viver conflituosamente é tão nocivo quanto as rinhas de galo. A força da ignorância aliena. O país atravessa uma severa crise, por isso desvirtuar a atenção do povo para as futilidades é um desserviço social.