• ‘O combate ao aborto e a causa LGBT não são bandeiras do MBL’

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  • 29/01/2021 13:20
    Por José Fucs / Estadão

    O vereador paulistano Fernando Holiday (Patriota), de 24 anos, formalizou nesta quinta-feira a sua saída do Movimento Brasil Livre (MBL), ao qual se ligou em janeiro de 2015, dois meses após a fundação do grupo. Nesta entrevista ao Estadão, Holiday diz que deixou o MBL para estimular a discussão sobre as causas LGBTs e a luta contra o aborto, que não são prioritárias para o movimento, junto à direita liberal. Ele fala também sobre o apoio de grupos de direita, como o próprio MBL e o Vem Pra Rua (VPR), ao movimento pelo impeachment do presidente Jair Bolsonaro e sobre o efeito que o “racha” na frente que viabilizou sua vitória em 2018 pode ter nas eleições de 2022.

    O sr. estava no MBL praticamente desde o princípio. O que o levou a deixar o grupo agora?

    É uma conversa que a gente já vinha tendo desde o fim do ano passado, a partir das reformulações que eles estão pensando em fazer no movimento, com certas pautas que serão trabalhadas no futuro, de política nacional e estadual. Há duas áreas, nas quais eu pretendo desenvolver projetos próprios e mais amplos que não estavam na lista de prioridades do MBL: as causas LGBTs e as pautas antiabortistas. Minha proposta é estimular uma discussão a respeito de como a direita liberal deve tratar esses temas. Então, a gente decidiu que era melhor eu seguir um caminho próprio e lançar esses projetos por conta própria.

    Nos últimos dias, surgiram informações de que as críticas do MBL ao deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS), por ter lançado candidatura própria à presidência da Câmara, em vez de apoiar o deputado Baleia Rossi (MDB-SP), foram decisivas para a sua saída. O que o sr. tem a dizer sobre isso?

    Talvez essa discordância tenha sido superdimensionada. De fato, houve uma divergência, mas não foi a primeira vez que isso aconteceu. A gente já discordou sobre diversos outros temas ao longo desses anos todos. Eu não diria que isso foi fundamental e teve influência na minha saída.

    O que o incomodou na reação do MBL contra a candidatura do deputado Marcel Van Hatten?

    A diferença foi simplesmente de momento. Acho natural que a direita, digamos, mais racional, acabe apoiando num segundo turno qualquer candidato que vá contra o Arthur Lira (Progressistas-AL), que é o candidato do Bolsonaro, até para que a gente possa discutir um possível processo de impeachment e para que a Câmara não fique completamente nas mãos do governo. É só uma divergência em relação ao melhor momento para aderir ao pragmatismo. O MBL achou que o Marcel deveria, já naquele momento, ter uma posição firme pelo impeachment, enquanto eu achei que não necessariamente teria de ser assim. Agora, eu concordo com eles que o processo precisa ser aberto.

    Desde o começo, o sr. e o MBL sempre criticaram essas pautas identitárias, como a das causas LGBTs. Por que, de repente, isso se tornou tão importante, a ponto de levá-lo a deixar o movimento?

    É que, apesar de a gente ter uma visão semelhante em relação ao tema isso não é uma bandeira de frente do movimento. Hoje, por exemplo, eles têm como bandeiras a defesa da reforma administrativa e do impeachment do Bolsonaro. Antes, defendiam as reformas da Previdência e trabalhista. Quer dizer, sempre têm algum grande projeto ou alguma causa à frente. Mas a luta contra o aborto e a defesa de causas LGBTs dentro de uma ótica liberal foram relegadas a um papel secundário.

    Quando o sr. fala da defesa das causas LGBTs sob a ótica liberal o que quer dizer com isso?

    Eu passei a pensar nisso no fim de 2019, quando fui convidado pelo Departamento de Estado americano para participar de um programa de visita ao país e estudar políticas públicas para minorias. Lá, tive a oportunidade de conversar com alguns dirigentes do Partido Republicano e conheci o chamado Log Cabin Republicans (LCR), que é uma espécie de área LGBT dentro da legenda. Eles estimulam o pessoal do meio LGBT a superar a homofobia, o preconceito, a exclusão, não por meio de políticas de Estado segregacionistas, mas principalmente através do empreendedorismo, do livre mercado, da defesa das liberdades individuais. Com esse discurso, evidentemente, eles não têm o mesmo alcance da esquerda nessas pautas, mas conseguem pelo menos atingir esse público, e no Brasil não vejo nada parecido. Então, o que pretendo, se puder, é trazer essa experiência para a direita brasileira.

    O sr. disse que pretende se engajar mais na luta contra o aborto, junto à direita liberal. Mas, normalmente, para os liberais, o aborto é encarado como uma decisão individual. Como?

    O meu ponto justamente é que o feto é um indivíduo e o que quero fazer é me afastar dessas discussões religiosas e discutir de um ponto de vista científico e filosófico o que define um indivíduo. Ao meu ver, o feto, a partir do momento que tem um gene separado, ganha a sua individualidade. Acredito que essa é uma discussão interessante para se ter no meio liberal. A minha ideia de entrar nessas discussões é para tentar demonstrar que é possível um liberal ter uma posição contra o aborto.

    Hoje, vários grupos de direita e centro-direita que apoiaram Bolsonaro em 2018, como o próprio MBL, o Vem Pra Rua (VPR), os lavajatistas e muitos liberais, estão apoiando o movimento pelo impeachment. Como o sr. analisa isso?

    Acredito que a imensa maioria das pessoas que votou no Bolsonaro por conta das pautas que ele defendia na campanha ficou completamente decepcionada e entende que é melhor para o País que ele saia do governo. Entendo que há elementos para acusá-lo de crime de responsabilidade e haver processo de impeachment. Há as questões ligadas à gestão do combate à covid, mas há uma razão maior, para a qual ainda falta um elemento de prova, que é o uso da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) para defesa do (senador) Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).

    Com o engajamento de parte da direita e centro-direita no movimento pelo impeachment, a frente que apoiou Bolsonaro na eleição de 2018 se desintegrou. Como vão ficar essas correntes políticas em 2022? Quem será o líder desses grupos?

    Hoje, não existe um nome capaz de unir essas forças que, de certa forma, em algum momento, apoiaram Bolsonaro, mas agora se opõem a ele. Por outro lado, vejo uma aproximação entre esses grupos como nunca houve antes, apesar de eventuais divergências em relação à eleição na Câmara. O Novo cada vez mais tem se aproximado de movimentos como o Vem Pra Rua e o MBL, que também têm se aproximado entre si. Destas três forças, talvez possa surgir uma alternativa para essa direita que tem um apreço maior ao combate à corrupção, pela operação Lava Jato. Daí talvez possa surgir um nome, talvez um nome já conhecido, como Sérgio Moro, ou um nome que ainda não apareceu, para representá-las em 2022.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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