• O Caminho da Resiliência

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  • 06/nov 08:00
    Por Gil Kempers

    Desastre Hidrológico da Espanha

    Mais uma vez, nos vemos catatônicos diante das notícias de centenas de mortes em função de um desastre socioambiental. Desta vez, a Espanha, em especial, a região de Valência, foi extremamente impactada por um desastre hidrológico, considerado por muitos o maior desastre do século no país, causando centenas de mortes, prejuízos e danos ainda não calculados.

    Cientificamente, podemos dizer que na região mediterrânea do leste da Espanha, os eventos hidrológicos, associados às chuvas intensas são observados com uma certa frequência, motivados por uma baixa pressão, conhecida como DANA, (WMO 2024). Na superfície, esse sistema produz ventos de leste que trazem ar quente e úmido para o interior do Mar Mediterrâneo. O ar frio forçado para cima e ao longo do relevo complexo do leste da Espanha, causam chuvas significativas e intensas ao longo da costa, podendo produzir fenômenos associados à precipitação intensa, que localmente são chamadas de riadas.

    Essa região de Valença e Catalunha é muito vulnerável à inundações, principalmente tratando-se grandes acumulados de chuva em curtos intervalos de tempo.

    A Europa já passou por diversas inundações devastadoras nos últimos anos, com um grande quantitativo de óbitos, como ocorrido na Alemanha e na Bélgica em 2021, com mais de 290 mortes.

    Este cenário aponta a necessidade urgente de uma melhora no sistema de alerta europeu de forma a antecipar os avisos, bem como o aprimoramento de medidas não estruturais como a capacitação da população e uma comunicação de emergência mais eficiente, além, é claro, de intervenções estruturais já pensando nos novos tempos de recorrência e bases de cálculos com novos parâmetros de engenharia, de forma a reduzir o impacto dos desastres na localidade.

    Mas como diminuir os impactos de desastres como esse na Espanha, que afetam o mundo todo? Vimos aqui em Petrópolis em 2022, vimos o Rio Grande do Sul em 2023 e 2024, e agora estamos observando os desdobramentos do que vem acontecendo na região de Valência.

    Nota-se que a necessidade de adaptação às mudanças climáticas é urgente. A intensificação dos fenômenos extremos e a redução do tempo de recorrência entre eles vêm aumentando, necessitando de um olhar mundial para o tema e da introdução de políticas públicas de proteção e defesa civil na agenda política global. Debater o assunto e proteger a sociedade não é mais algo isolado, e a cada ano que passa, a pauta se torna mais relevante, tendo em vista a quantidade de vidas que são ceifadas e os bilhões em prejuízos e danos que acarretam.

    Devemos tratar o tema com a urgência que merece, e ele deve realmente ser uma pauta para que os governantes, em um cenário nacional e internacional, busquem soluções reais para minimizar os impactos dos desastres, que se apresentam cada vez mais latentes nas memórias das populações afetadas, causando dor e sofrimento.

    No caso específico de Valência, choveu em oito horas o que era esperado para o ano inteiro, e nenhuma cidade está preparada, com a atual estrutura, para suportar o que ocorreu, assim como Petrópolis não estava em 2022, e o Rio Grande do Sul também não estava no ano passado e neste. Pois bem, o que mudou e o que deve mudar?

    A preparação para o enfrentamento aos desastres deve ser focada em dois grandes aspectos: intervenções estruturais, que são as obras, e intervenções não estruturais, que servem para capacitar a população para o enfrentamento aos desastres, especialmente aquelas que residem em áreas de risco e se encontram em maior vulnerabilidade.

    Especificamente no Brasil, ainda temos algumas barreiras a transpor, como, por exemplo, a legalidade de algumas ações. A Lei n.º 12.608/2012, que estabelece o Sistema de Defesa Civil, não prevê recursos para prevenção, preparação e mitigação, prevendo recursos apenas para a resposta e a reconstrução, ou seja, posteriores ao desastre. Os municípios, em sua grande maioria, com dificuldades orçamentárias, têm a obrigação de, sozinhos, providenciarem os recursos para obras importantes que evitem um desastre. Incrível, não? O governo federal, exceto em programas específicos como o PAC e outros pontuais, não oferece condições para repasses de recursos que efetivamente evitem tragédias, auxiliando apenas após o desastre. Essa lógica contraria a literatura, já que KOBIYAMA, em 2004, orientou que a cada R$ 1,00 investido em prevenção economiza-se R$ 50,00 na resposta e na reconstrução, além do mais importante, que é preservar vidas e bens.

    No que tange à preparação, é importante que a população seja capacitada e treinada sobre como agir em um desastre, conhecendo as rotas de fuga, os pontos de apoio e, essencialmente, passando a obedecer às orientações da defesa civil local. É sabido que muitas pessoas não atendem às orientações de deslocamento para abrigos; muitos entendem que não é necessário. Mas quando a equipe da defesa civil orienta a evacuação de uma localidade, é porque se entende que já se atingiu o limite de ocorrência de um desastre, sendo necessária a credibilização dessa informação, e a imprensa tem um papel muito importante nesse processo!

    Além de divulgar informações fidedignas, minimizando as fake news, que atrapalham demais em um desastre, a imprensa tem um alcance que muitas vezes os órgãos oficiais não têm, fazendo parte, assim, do sistema de defesa civil na atuação em um desastre.

    Ainda temos muito a avançar no tema desastres no Brasil e no mundo, mas é fato que os eventos extremos e os desastres complexos passaram a fazer parte do cotidiano das pessoas e devem ser levados a sério pelos governantes como uma agenda importante a seguir.

    Seguimos firmes!

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