
O Caminho da Resiliência
Cidade esponja: solução para eventos hidrológicos ou apenas teoria?
Infelizmente, no Brasil e no mundo, os desastres são uma realidade, especialmente por influência das mudanças climáticas, como já tratamos aqui algumas vezes. O crescente número de desastres socioambientais causados por inundações e outros fenômenos hidrológicos nas cidades tem se tornado uma crise global no século XXI. As cidades e as soluções cinzas que avançaram por dezenas de anos impactam diretamente nas inundações, especialmente pela impermeabilização do solo e pela diminuição efetiva da absorção de água, o que aumenta diretamente a quantidade de água que escoa e não se infiltra no solo. Com o aumento imediato do volume de chuva por conta das mudanças climáticas e dos ventos extremos, o modelo tradicional de drenagem tem se demonstrado ineficiente, principalmente por conta do conceito fundamental anterior de canalizar a água, aumentando sua velocidade de escoamento e desaguando posteriormente em outros lugares. O maior problema reside nessa forma de pensar, pois deslocar o fluxo de água para outra localidade sem tratar esse volume simplesmente transfere o problema, sem efetivamente permitir que esse volume seja acomodado no solo que antes o fazia.
Assim, neste contexto, o conceito de Cidade Esponja (ou Sponge Cities) emerge como um princípio adequado e teoricamente revolucionário na drenagem urbana, pensando efetivamente em acomodar o volume e o fluxo de água no território. O objetivo é adequar o volume de água na localidade onde caiu e, posteriormente, conduzi-la de forma a conservar a energia sem desequilíbrio local, ou com o menor desequilíbrio possível.
Desenvolvido inicialmente na China, o conceito propõe uma transformação fundamental na relação entre as cidades e a água. Não basta apenas drená-la e conduzi-la para outro lugar; o ideal é absorver, limpar e reutilizar, de forma a se assemelhar a uma esponja. A ideia de mimetizar a função natural do solo, permitindo a absorção da água e a transformação da paisagem urbana, pode permitir que regiões se comportem como esponjas em momentos de chuva intensa, acomodando a água e retornando-a ao meio adequado quando for possível absorver um grande volume.
Essa solução para eventos hidrológicos reside na implementação de diversas medidas de SbN (Soluções baseadas na Natureza), com infraestruturas verdes. Esse conceito é uma espinha dorsal para as cidades esponjas, de forma a gerenciar os excessos de água pluvial que chegam ao solo.
Uma das soluções possíveis para reduzir o volume que escoa no solo é a utilização de telhados verdes e jardins de chuva. Eles podem ser instalados em edifícios e áreas públicas, bem como em telhados e outras estruturas que possam contribuir para esse fim. Os telhados verdes e jardins filtrantes reduzem o volume de chuva que chega ao solo e aos sistemas de drenagem tradicionais, além de melhorar a qualidade do ar e atenuar o calor urbano em possíveis ilhas de calor.
Outra medida possível é a adoção de pavimentos mais permeáveis, substituindo o asfalto e o concreto tradicional. Essa medida pode proporcionar que uma maior quantidade de água da chuva se infiltre diretamente no subsolo, chegando posteriormente aos lençóis freáticos e contribuindo, assim, para a redução do escoamento superficial.
As bacias de retenção e detenção são também um excelente princípio que pode ser projetado para armazenar temporariamente o excesso de água de eventos hidrológicos. As bacias, como lagos urbanos, fazem a retenção da água no momento das chuvas intensas e, posteriormente, liberam lentamente esse volume de água após o pico da chuva. Cabe ainda lembrar que essa água pode ser reaproveitada, caso necessário, como, por exemplo, em plantações e culturas locais.
Essas são apenas algumas soluções possíveis que o conceito de Cidade Esponja apresenta para a drenagem em cidades que demonstram uma defasagem da drenagem tradicional, diante dos novos desafios. Um dos grandes diferenciais do conceito das cidades esponjas é o seu paradigma da multifuncionalidade. Ou seja, não só propõe a resolução de problemas de macrodrenagem, mas também melhora a qualidade de vida de seus habitantes, aumenta a biodiversidade local e apresenta um grande diferencial no que tange às ilhas de calor urbanas. A redução de cada área impermeabilizada e a implementação de soluções SbN indicam um investimento direto na segurança hídrica, na sustentabilidade ambiental e no bem-estar social.
Infelizmente, em um trágico acidente de avião em setembro deste ano, no Mato Grosso do Sul, um dos pioneiros no conceito das cidades esponjas, o chinês Kongjian Yu, faleceu, sendo uma das quatro vítimas fatais da queda de um avião em Aquidauana, no Pantanal.
Para dar sequência a esse brilhante conceito, a integração do planejamento urbano é fundamental. Neste sentido, uma visão multidisciplinar, que envolva engenheiros, arquitetos, urbanistas, geógrafos, geólogos e gestores públicos, deve trabalhar em conjunto, utilizando dados de precipitação, modelos hidrológicos e mapeamentos de risco para analisar as condições de cada área e integrar os conceitos nas cidades. As soluções para os eventos hidrológicos não estão apenas em bombas e tubulações, mas também em reintroduzir o ciclo natural da água nas metrópoles e cidades.
Esse desafio é grande, especialmente nas cidades densamente construídas. Mas Kongjian Yu mostrou que é possível, como em seu projeto em Shanghai, uma metrópole com mais de 27 milhões de habitantes. As cidades esponjas devem ser abraçadas pelos governantes como uma solução viável, de forma a investir em resiliência a longo prazo, podendo transformar a ameaça da água em recurso e construindo um futuro mais sustentável e harmonioso.
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