• O Caminho da Resiliência

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  • 06/ago 08:00
    Por Gil Kempers

    A Epidemia dos Acidentes de Moto no Brasil

    Já não é mais novidade que, diariamente, centenas de pessoas se acidentam de moto em todas as cidades do Brasil. Muitas não se dão conta do impacto que isso causa no sistema de saúde do país, gerando prejuízos, mas, principalmente, vitimando fatalmente muitas pessoas e deixando centenas de outras com lesões permanentes.

    Quando abordamos o tema com uma lupa mais direcionada, conseguimos fazer um recorte interessante e que possibilita a proposição de novos caminhos.

    Durante minha passagem como Comandante de um quartel do Corpo de Bombeiros, analisamos as estatísticas de acidentes e realizamos recortes bem produtivos que podem ajudar a propor soluções.

    Nessa análise, foi possível observar que grande parte dos acidentes, mais de 80%, ocorria com jovens entre 18 e 24 anos, que usavam motos de baixa cilindrada. Pode parecer um dado corriqueiro, mas ele aponta o perfil da grande maioria das vítimas.

    Nesse grupo, podemos incluir profissionais que trabalham com motos, como motoboys e mototaxistas, mas também uma grande quantidade de jovens que pilotam de maneira irresponsável, sem os equipamentos de proteção individual (EPI) obrigatórios. Muitas vezes, fazem manobras perigosas ou empinam as motos em vias com trânsito, colocando em risco a própria vida e a de transeuntes. É verdade que o ímpeto e a sensação de velocidade atraem os jovens para esse tipo de situação, mas eles, muitas vezes, não medem as consequências, que podem custar a própria vida ou gerar uma lesão permanente, como a amputação de membros inferiores, um tipo de lesão muito comum nesse tipo de acidente.

    Mas quais são os impactos desse tipo de acidente na rede hospitalar? Qual o custo para a sociedade? Quais os danos e prejuízos? A prevenção não seria mais eficiente, como já abordado nesta coluna diversas vezes?

    Vamos tratar de algumas dessas respostas a seguir. Os acidentes de moto têm um custo muito elevado para a sociedade. Para desmembrar isso, podemos analisar toda a cadeia de atendimento. Começa com o socorro no local, que mobiliza bombeiros, SAMU, polícia militar e polícia civil. Todos esses agentes têm um custo para a sociedade, mas poderiam ter seus recursos utilizados em outras demandas, pois esses acidentes poderiam, em parte, ser evitados.

    Passada a fase de socorro, as vítimas são atendidas na rede hospitalar pública, com internações demoradas que, em média, duram dois meses. Dependendo da lesão, o tempo pode ser maior, com gastos mais elevados, como a ocupação de leitos de CTI e a instalação de próteses. As vítimas, nesse caso, deixam de ser economicamente ativas, de contribuir para a economia e passam a depender do estado, tornando-se dependentes do sistema previdenciário, muitas vezes em idade reduzida. Mais uma vez, vale ressaltar que esse fato poderia ser evitado. Infelizmente, em casos de morte, os danos aos familiares e a perda são imensuráveis.

    Na linha de entender o rastro de gastos e despesas, ainda existem os custos com o judiciário e os processos legais que envolvem o acidente de trânsito, como investigação, processo e audiências. Por mais que não se entenda diretamente, são gastos de recursos e de tempo, que impactam na condição e no tempo de atendimento. A grande quantidade de acidentes de moto tem um impacto direto na quantidade de leitos e na disponibilidade de UTIs, o que acaba interferindo na fila de cirurgias eletivas. Ou seja, a grande quantidade de acidentes atrasa as cirurgias, já que é necessário ter uma reserva de vaga em UTI para a sua realização, e muitas dessas vagas estão ocupadas por vítimas de acidentes de moto em todo o país.

    Portanto, ao olharmos o contexto e percebermos o elevado número de acidentes e o alto custo deste tipo de ocorrência, e os danos e prejuízos que trazem para a sociedade, é necessário tratar essa epidemia de acidentes de moto como um desastre, pelo alto número de vítimas e pelos danos que efetivamente acarreta.

    Assim, faz-se necessário um trabalho de prevenção para mitigar os impactos deste desastre. Campanhas de conscientização e a obrigatoriedade do uso de equipamentos de proteção individual completo, e não apenas o capacete — como, por exemplo, jaqueta com airbag e outros —, podem fazer a diferença para diminuir o que vemos hoje. Basta lembrar que quem tem um pouco mais de idade se recordará da obrigação do uso do cinto de segurança, que antes era de difícil aceitação, mas hoje já faz parte de uma cultura de redução de riscos e resiliência no trânsito. Chegou a hora de atacar os acidentes de moto, tratando-os como um desastre e pensando na redução dos danos e, principalmente, em salvar vidas!

    Seguimos firmes!

    **Contato com o autor: gkempers@id.uff.br

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