• O Caminho da Resiliência

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  • 11/jun 08:00
    Por Gil Kempers

    Os Tempos de Recorrência e os Novos Desafios dos Desastres no Brasil e no Mundo

    Infelizmente, estamos presenciando, de forma gradual, a evolução do cenário dos desastres no país e no mundo. É possível perceber facilmente a intensificação dos fenômenos, bem como a redução dos tempos de recorrência, em função das mudanças climáticas.

    Alguns cientistas ainda não consideram mudanças nos padrões de chuva, especialmente quando se avaliam tempos de recorrência maiores, de 100 a 200 anos.

    Mas o que são os tempos de recorrência? Conceitualmente, o tempo de recorrência é o intervalo de tempo entre a ocorrência de um determinado evento extremo e um próximo evento igual ou mais severo. Podemos dizer que é o tempo entre desastres da mesma natureza. Um exemplo que ilustra isso é a cheia do Rio Grande do Sul, onde a última grande cheia havia acontecido na década de 1940, e um novo evento extremo ocorreu em 2023. No entanto, o que vem acontecendo é que esse padrão de evento extremo tem mudado, tanto que, no próprio Rio Grande do Sul, ocorreu um evento extremo em 2023 e outro de proporção ainda maior em 2024. Acho que isso exemplifica bem a ideia de mudança do padrão. A última grande cheia havia ocorrido em 1941, com um intervalo para 2023 de 82 anos. Contudo, entre 2023 e 2024, passou menos de um ano, com um evento de pior proporção.

    Este é um bom exemplo de que é necessário repensar os tempos de recorrência, uma vez que eles podem estar mudando de acordo com as alterações climáticas.

    É importante salientar que essa nova forma de enxergar os tempos de recorrência, em função das mudanças climáticas, passa pelas universidades, já que os tempos de recorrência são muito importantes na prevenção e na mitigação de desastres. Mas por quê? Simples: os tempos de recorrência são adotados como parâmetros nas obras de engenharia que servirão para mitigar, prevenir e preparar comunidades para os impactos dos desastres.

    Os tempos de recorrência têm um papel importante para os cálculos de vazão, de volume e velocidade da água nas calhas dos rios, bem como para as estruturas que farão a contenção de encostas.

    Assim como existe um “novo normal” para a preparação comunitária quanto aos desastres, os tempos de recorrência e as análises da engenharia devem ser repensados. É claro que alguns especialistas podem considerar que a oscilação no volume de chuva e precipitação seria algo normal, dentro de uma margem de erro.
    Mas ocorrências como as de Petrópolis em 2022, onde choveu 550 mm em 24h, e São Sebastião, em São Paulo, que atingiu os incríveis 683 mm em 24h, apontam para uma alteração brusca no padrão de chuva, e muitas cidades não estão preparadas para esse “novo normal”.

    O planejamento urbano é um dos elementos mais importantes para o futuro das cidades. Infelizmente, a impermeabilização do solo e as construções irregulares agravam cada dia mais o problema da drenagem nas cidades que, de maneira ineficiente, não conseguem escoar o volume de água carreado para os rios em momentos de chuvas intensas, causando alagamentos e inundações. Em alguns casos, até enxurradas, colocando em risco a vida das pessoas, muitas vezes pegas desprevenidas em engarrafamentos, em estações chuvosas.

    Os riscos também avançam na direção dos eventos de movimentos de massa, tais como deslizamentos e escorregamentos, muito impactados pela ausência de micro e macrodrenagem em territórios mais vulneráveis.

    O avanço das cidades não acompanha a infraestrutura, que segue defasada, sendo um risco para a população. Assim, os governos precisam direcionar o olhar para essas políticas públicas. Plano Diretor, Plano Municipal de Redução de Risco, Plano de Adaptação às Mudanças Climáticas, Plano de Manejo das Águas — todos eles devem ter uma interface e dialogar entre si. Devem buscar entender o desenvolvimento das cidades e seu comportamento.

    Porém, todos esses estudos levam em consideração os tempos de recorrência que, conforme vimos, devem ser revistos e reavaliados para que, num futuro próximo, as intervenções estejam adequadas às ameaças que ainda estão por vir. Sim, não discutimos se estão por vir, mas quando. Sabemos que ocorrerão eventos extremos, basta saber onde. Por isso, é necessária tanto uma preparação estrutural quanto não estrutural.

    Seguimos firmes!

    **Contato com o autor: gkempers@id.uff.br

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