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  • 29/05/2021 08:00
    Por Gastão Reis

    A foto de FHC e Lula juntos publicada nos jornais de sábado, 22.05.2021, é emblemática. Reflete bem a que ponto a mediocridade e a falta de rumos nos atingiram em cheio. Tem ainda um lado simbólico revelado pelo ato falho das mãos fechadas encostadas uma à outra que nos relembram de troca de socos. Aliás, bem mais revelador do que foi a vida pública de ambos. FHC parece ter esquecido o que ocorreu após a transmissão do cargo de presidente. Lula o levou até o elevador e lhe disse: “Você deixa aqui um amigo”.

    Pouco depois, o amigo (da onça, claro!) deu início ao discurso da herança maldita de FHC. Na verdade, poucos presidentes receberam do antecessor o país em condições tão boas. Herança maldita teria sido aquela pela qual o PT vinha lutando: o Plano Real seria mais uma enganação do povo; as privatizações, apenas a venda a preço vil das estatais; e as demais reformas necessárias, em especial a trabalhista, um esbulho do trabalhador. Ou seja, tudo aquilo que o País necessitava para entrar nos eixos e partir para o crescimento sustentado. Era o PT apostando num projeto tipo Venezuela. No momento, ser contra a privatização da Eletrobrás mostra que Lula não mudou.  

    Há ainda, em Lula, a questão do caráter. Eu me recordo bem do episódio ocorrido quando ele era presidente. Em 2004, um faxineiro do aeroporto de Brasília achou no banheiro uma maleta com dez mil dólares.  Procurou o dono pelo autofalante, o achou e devolveu o dinheiro. O exemplo de honestidade foi celebrado pela mídia, em especial por se tratar de uma pessoa humilde. Recebido por Lula no Alvorada, foi indagado, mais de uma vez, no relato que li, por que devolveu o dinheiro achado, deixando no ar a insinuação que deveria ter sido mais imaginativo. Curto e grosso: ter enfiado o dinheiro no bolso.

    Permite ainda entender o comportamento de Lula em fazer vista grossa aos companheiros envolvidos no Mensalão, no Petrolão e até em relação aos que pilharam os fundos de pensão das estatais. Eles meteram a mão no bolso dos próprios trabalhadores que o PT dizia representar. Lula pediu ainda ao diretor da Infraero que aumentasse o salário do faxineiro, colocando-o no quadro permanente. O episódio ilustra bem o custo do serviço público para fazer a mesma coisa: o salário do faxineiro dobrou. Instituições internacionais hoje criticam o custo astronômico do nosso setor público face ao privado para reali-zar tarefa idêntica. Sugerem congelamento temporário de salários para reduzir essa discrepância a favor ao setor público, única por padrões internacionais.   

    Merval Pereira, em um de seus últimos artigo em O Globo, relembrou aquele comentário do Tim Maia de que o Brasil é o país onde prostituta chega ao orgasmo, traficante se vicia e cáften se apaixona. A verdade é que tais desvios não são exclusividade nossa. Filmes estrangeiros nos apresentam situações semelhantes em vários roteiros. Mas essa é uma visão comandada pelo peso do emocional. O mais grave é que no plano da fria racionalidade, o Brasil virou-se pelo avesso: militares fazem política; políticos não estão nem aí para o bem comum (corrupção sistêmica); o judiciário extrapola em muito o teto constitucional de remuneração do servidor público. Em suma: viramos um povo (indignado) que serve a uma burocracia ao invés de ser servido por ela.

    Nos meus tempos de Universidade da Pensilvânia (1977-1980), eu me lembro de ter notado, em função do número de artigos publicados, o interesse despertado entre estudiosos americanos quanto ao efeito dos sistemas políticos sobre o desempenho dos países. Um deles analisava até mesmo em que medida o presidencialismo latino-americano poderia ser responsabilizado pelas frequentes crises que afetavam a região. Naquela época, eu me recordo que era um tema pouquíssimo analisado no Brasil. E, não obstante, o Brasil foi uma ilustre exceção no século XIX com seu regime parlamentarista. Os países de língua espanhola já nasceram sob o malfadado regime presidencialista.     

    O sistema parlamentarista, que nos deu décadas de estabilidade no passado monárquico, dispõe de dispositivos contra crises que nos fazem muita falta ainda hoje. Um gabinete (governo) só se mantém se gozar do voto de confiança do Parlamento. Diferentemente do presidencialismo, a confiança do eleitor no governo é o fiel da balança. Ao faltar, em qualquer momento, um governo pode cair e ser substituído por outro em novas eleições. Não há que esperar quatro ou cinco anos até a data fixa da próxima eleição presidencial, salvo quando se recorre ao complicado e demorado processo de impeachment.

    O parlamentarismo, no passado (e poderá fazê-lo no futuro), foi um regime que nos livrou também da síndrome do transitado em julgado. Em especial, aquela situação de políticos que se apropriam impunemente de dinheiro público, e perpetuam-se na vida pública interpondo recursos protelatórios na Justiça. No regime parlamentar, a vida pública de um político depende de sua credibilidade junto à opinião pública. E não de malabarismos jurídicos como ocorre, em especial, no nosso presidencialismo.

    A primeira reação nossa é que o político acusado só poderia pagar pelo seu crime após ser verificada a culpa consumada. No fundo, perdemos a noção de que dinheiro público deveria ser algo sagrado. No parlamentarismo, a simples quebra de confiança é motivo cabal para afastar um político da vida pública.

    Neste cenário, o caso Lula já estaria morto e sepultado. Mas os absurdos com que convivemos lhe permitem ser novamente candidato à presidência. Alegou-se(!), anos depois, e após condenação por unanimidade por um colegiado se juízes, que o foro correto deveria ter sido Brasília e não Curitiba. E foi assim que o Brasil se conformou em conviver com o menos pior não só na política como em inúmeras outras situações. A tolerância com o menos pior por décadas abriu as portas para o pior do Brasil. Tarda a hora de dar um basta!

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