• O apelo de Malan, o povo e o vácuo institucional

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  • 20/11/2021 08:00
    Por Gastão Reis

    O ex-ministro da Fazenda, Pedro Malan, em artigo no Estadão (14/11/2021), faz um apelo no próprio título: “Competentes precisam se mobilizar pelo País”.  Em breve retrospecto, ele nos fala dos tempos da ex-presidente Dilma, de suas promessas (controle dos gastos públicos, reforma política, saúde, educação e transporte público), esquecidas tão logo se viu reeleita. Relembrou seu caótico bordão “gasto é vida”. Em seguida, faz um paralelo crítico com o governo Bolsonaro e sua proposta fura-teto, empurrando com a barriga o pagamento dos precatórios para abrir espaço para um Auxílio Emergencial de R$ 400, somente para 2022, com forte odor eleitoreiro.

            Malan expõe as dificuldades das grandes democracias de massa de conter os gastos públicos diante das benesses oferecidas por políticos populistas em contraposição aos benefícios de longo prazo da responsabilidade fiscal, que impõe custos a curto prazo. A sanidade fiscal exige a presença de lideranças responsáveis e esclarecidas com capacidade de convencimento para manter o barco sob controle. Elenca ainda nossos problemas estruturais como educação, segurança, meio-ambiente, corrupção, miséria e extrema desigualdade de oportunidades, que estão, diz ele, “na raiz da nossa flagrante desigualdade econômica e social”.

            No final, enfatiza a necessidade de o Brasil não abandonar a busca por um Estado democrático de direito. E fala de pesquisas recentes reveladoras da existência de um grupo expressivo de brasileiros que não deseja mais quatro anos de bolsonarismo ou de lulopetismo. É nossa tarefa mobilizar pessoas competentes em todas as áreas.

                O ex-ministro conhece bem as mazelas que colocaram a república brasileira diante de uma ficha de tipo policial, resumida em corrupção sistêmica, desigualdade (quase) campeã mundial e políticos que não nos representam. Não obstante, faltou uma análise mais acurada do que nos levou a colecionar décadas perdidas desde a de 1980. Que falhas existem em nossa moldura político-institucional indutoras a tantas lideranças populistas na arena política desde 1985, após o fim da ditadura militar? A exceção foi o governo FHC, que conseguiu emplacar o Plano Real depois de várias décadas de inflação elevada, mas sem sucesso em outras reformas estruturantes.

         O peso decisivo da pressão pública, nesse apelo, escapou a Malan. Sem ela, é impossível virar o jogo. Foi assim que Collor e Dilma foram defenestrados. FHC ainda contou, para aprovar suas medidas, com um número relativamente pequeno de partidos no Congresso, situação que facilitou as negociações. Lula sofreu os efeitos do aumento significativo de partidos com representação e “resolveu” o problema na base do mensalão, petrolão e corrupção sistêmica. Dilma não foi muito diferente. E acabou convivendo às turras com o Congresso. Temer, apesar de iniciativas positivas como a criação do teto e a conhecida habilidade política, sofreu forte abalo de credibilidade quando da conversa gravada na garagem do palácio por um conhecido empresário.

              O próximo presidente, mesmo que não seja Bolsonaro ou Lula, vai-se ver com o mesmo problema – exponenciado! – de um país cuja democracia perdeu densidade. O número excessivo de partidos vem tornando impossível aprovar reformas na profundidade necessária. É sintomático o que ocorreu com Bolsonaro ao se render ao Centrão para conseguir arrancar alguma coisa de um Congresso em que o próprio umbigo dita a lei maior, ignorando o espírito e a letra da constituição.   

             As instituições brasileiras sofrem de um processo marcado por aguda desilusão popular como revelou a pesquisa do Datafolha, de 25/09/2021, quanto à confiança popular pífia nos poderes e nas instituições. Como recolocar a Nação nos eixos diante de um quadro como este? Arrolo a seguir questões críticas não resolvidas pela república que Malan passou ao largo.

             A primeira é que a confiança do eleitor no governo não é a pedra angular das instituições. No presidencialismo, um governo desmoralizado pode continuar por muito tempo porque o mandato ainda não terminou. O caso de Lula comprova. Mesmo tendo sido o chefão do mensalão e do petrolão, ele está no páreo presidencial. No parlamentarismo, a simples quebra de confiança inviabiliza a vida pública de um político, mesmo sem prova em justiça.

    A segunda, gravíssima, é a ausência do voto distrital puro, ou sistema equivalente, acoplado à possibilidade de os eleitores revogarem o mandato (recall) de seu representante, substituindo-o por outro. Esta mecânica daria controle efetivo dos representados sobre seu representante, seja ele vereador, deputado estadual ou federal. Situação bem distinta da atual em que o eleitor é manipulado e desrespeitado por seu representante, como foi o caso recente da aprovação em valor quase dobrado do Fundo Eleitoral.            

               A terceira é a presença dos militares na política (desde 1889). É a síndrome de chamar um advogado para cuidar de uma dor de dente aguda. O próprio Malan conhece bem os efeitos desastrosos de longo prazo de decisões equivocadas dos presidentes Costa e Silva e Geisel em que o voluntarismo bateu de frente com a teoria e as políticas econômicas que funcionam.

         Para finalizar, tomemos a lista a seguir de 12 requisitos que garantem a um país instituições que funcionam: confiança popular como pilar das instituições, liberdade de imprensa, educação pública de qualidade, moeda estável, revogação de mandatos (recall), parlamentarismo, mecanismos eficientes de combate à corrupção, partidos que votam de acordo com seus programas, orçamento impositivo, controle externo do Judiciário e bônus por desempenho.

            Passe os olhos, caro(a) leitor(a), nesta lista e se surpreenda com o fato de o regime republicano brasileiro não satisfazer cerca de 80% desses requisitos. Ou seja, é impossível funcionar a contento como aqueles países que satisfazem a maioria dessas exigências.  Sem a superação desse vácuo institucional, que exigirá ativa participação popular, o País continuará à deriva.

    (*) Autor de “Risco de mais décadas perdidas”, em O Estado de São Paulo, de 21/04/2016. Basta digitar o título entre aspas seguido de Estadão no Google. Complementa o artigo acima.

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