O amor nos tempos do coronavírus
Quando alguém se considera como a medida de todas as coisas, passa a avaliar e a julgar os outros a partir de concepções pessoais, colocando-se como padrão ideal de comportamento. Para essa conduta, tenho usado o termo “transtorno da autorreferência”. Peço desculpas aos psicanalistas, mas não encontrei outra expressão para caracterizar o comportamento em que a pessoa se considera dotada de uma virtude padrão, colocando-se como modelo de perfeição. E, pela prepotência, passa a menosprezar aquele que ela julga ser inferior. Com isso, distancia-se da humildade, não respeita as limitações dos que ela considera incapazes, portanto age com arrogância e, às vezes, orgulha-se da própria ignorância, por vê-la como virtude e exalta-a com lealdade. Até o óbvio constatado pelo senso comum se for contrário aos seus interesses, ela desconsidera para não ter que sair dos paradigmas determinantes da sua conduta. Não se verga nem diante da Ciência. Essa inflexibilidade oferece severas resistências ao processo de ensino-aprendizagem. Por conseguinte, tende a não valorizar a educação que prima pelo crescimento evolutivo do ser.
Esse comportamento que tenho chamado de “transtorno da autorreferência” difere do narcisismo que se fecha na cela do “eu”. Este é menos nocivo, porque vive em função do próprio umbigo, não apresenta a obsessão pela desqualificação do outro.
O tempo me trouxe até aqui. Já me encontro no que chamam de terceira idade. Mas com todas as minhas atividades profissionais efetuadas dentro dos meus limites. O fato de estar no grupo de risco diante desta pandemia provocada pela proliferação do novo coronavírus (Sars-Cov-2) não é uma condenação à pena de morte, apenas me deixa mais vulnerável, portanto preciso ter mais cuidados, mais atenção e conduzir a vida sem pânico e sem autopunição.
Estou bem em casa. E aqui há uma aglomeração de pessoas, além da minha esposa, estão Machado de Assis, Gabriel García Márquez, Fernando Pessoa, Guimarães Rosa, Torquato Neto, Clarice Lispector, Cecília Meireles, Drummond, João Cabral, Mário Quintana, Camões, em síntese, um monte de gente que atua como antídoto da solidão. Nem vou falar do pessoal que toca na vitrola para não estender tanto esse parágrafo, pois, por aqui passam Cartola, Itamar Assumpção, Sergio Sampaio, Luís Melodia, Miles Davis, B.B. King, muita gente boa! Nessa aglomeração, o vírus da solidão realmente não tem espaço.
Nesta quarentena, acordo no horário normal de um dia de trabalho. Estou me adaptando aos recursos da informática para continuar em contato com meus alunos pela internet, seguindo as orientações dos diretores das escolas em que trabalho.
Vejo o silêncio da manhã um pouco mais longo, o canto dos bem-te-vis e dos sabiás estão no centro urbano e o ar encontra-se menos poluído. Há uma apreensão nesse silêncio, não resta dúvida. Não são manhãs domingueiras de sol, mas não podemos perder a esperança. Vai passar, apesar das pedras da ignorância que estão no meio do caminho…
A opção pela vida exige sensatez e equilíbrio. Não vejo nesta pandemia o dilema da “Escolha de Sofia”: “a vida ou a economia”? Claro que a sobrevivência humana tem que prevalecer. Quem opta pela economia não está pensando no número de desempregados, mas na perda do lucro dos que dominam o poder econômico. Este é o “sacrifício” que muitos não querem fazer: deixar de ganhar. Isso é fruto da falta de respeito em relação ao ser humano, reflexo da ausência de uma consciência que emerge da responsabilidade social. O compromisso deles é com o vil metal, não com o amor ao próximo. A pior cegueira é essa que não enxerga o valor da vida.