‘O Amor Dá Voltas’ e pode nos levar até Notting Hill
Quando entrevistou Cleo para o Estadão, no lançamento de O Amor Dá Voltas, o repórter citou uma cena do longa de Marcos Bernstein. Um diálogo meio safa em que Igor Angelkorte provoca Cleo no bar, como se estivesse empenhado em conquistá-la. O espectador sabe o que Igor ainda não admitiu para ele mesmo, mas está apaixonado por ela. Cleo simplesmente não se lembrava da cena. Como? “O filme foi feito em 2016, há seis anos e eu ainda não vi a versão definitiva”, explicou. “Mas se é a cena que estou pensando é bem bacana. A gente sempre dá uma ajustada no texto para ficar mais natural, mas é aquilo que sempre falo. O Marcos escreve bem e a gente só precisa não estragar.”
O próprio Bernstein faz a sua avaliação da cena. “Gosto de misturar gêneros, é uma coisa que está na essência do meu trabalho. Busco sempre a simplicidade, a objetividade, mas creio que essa mistura agrega sofisticação. Quando se tem atores como Cleo e Igor, fica melhor ainda.” Bernstein coescreveu com João Emanuel Carneiro o roteiro de um dos grandes filmes do cinema brasileiro – Central do Brasil, de Walter Salles, de 1998, 11.º colocado na lista 100 melhores da Abraccine. Como diretor, soma Do Outro Lado da Rua, a adaptação de Meu Pé de Laranja Lima e agora O Amor Dá Voltas. O repórter não se furta a lembrar sua telenovela Orgulho e Paixão, na Globo, na faixa das 18 horas. Era uma adaptação de Jane Austen.
Quem viu não se esquece das ousadias de Bernstein. Cenas totalmente cantadas, e dançadas, como se a novela fosse, e não era?, um musical. Uma ousadia maior ainda – o beijo gay. Esse sempre foi uma novela dentro das novelas da Globo. Beija-não-beija, qual será a reação do público? Bernstein foi ao diretor de dramaturgia da emissora – na época, Sílvio de Abreu. Ele não apresentou objeções, mas foi sucinto: “Seja elegante”. Bernstein foi, e tanto que a cena foi ao ar sem provocar escândalo. O público assimilou. “O importante é a veracidade dos personagens, o respeito pela diversidade.”
Fernanda Montenegro e a garota Alice estão no ar com uma propaganda que fala justamente no respeito como ferramenta para a melhoria humana e social. Bernstein a dirigiu em seu primeiro longa, Do Outro Lado da Rua. A vizinha bisbilhoteira que é informante da polícia. Sua desconfiança em relação ao vizinho. Ecos do clássico Janela Indiscreta, de Alfred Hitchcock, de 1954. O trabalho com os atores é uma das graças – um dos privilégios – dessa função, diretor de cinema. Em Central do Brasil, já havia Fernanda, e Marília Pêra, e Othon Bastos, e um monte de gente de talento comprovado, mas havia o garoto – Vinicius Oliveira. Em Meu Pé de Laranja Lima, outro menino, João Guilherme Ávila, contracenava com José de Abreu. A arte do cinema consiste em harmonizar elementos díspares para melhor servir à história que se está contando.
Bernstein tem planos de voltar às novelas? “Orgulho e Paixão foi bem no horário e me deixou uma janela aberta, mas não existem planos. No momento, estou finalizando a série Tempos de Barbárie, Ato 1 – Terapia de Vingança, com Cláudia Abreu e Júlia Lemmertz, que deve estrear em 2023.”
Receita
O diretor e roteirista dá sua receita para principiantes. “Fazer cinema sempre foi difícil no Brasil, mas as condições evoluíram desde que comecei.” O que é necessário para quem escreve, e dirige? “Acho que, principalmente, é o olhar para a vida. É a melhor roteirista, a melhor contadora de histórias que existe.” O que é desafiador num projeto como O Amor Dá Voltas? “É trabalhar com códigos de gênero, mas procurando sempre ir um pouco além, procurando colocar algo pessoal no que poderiam ser só fórmulas.”
O Amor Dá Voltas começou a nascer numa viagem de Bernstein à África, para a realização de um documentário sobre Pierre Verger. “Lula Buarque era o diretor e estava numa fase de ouvir sempre a mesma música, Gonna Give Her All The Love I’ve Got, pelo Marvin Gaye. A música fala de um homem isolado que mantém a sanidade escrevendo cartas de amor à amada. Uma ideia começou a se formar na minha cabeça. O que aconteceria se ele, ao voltar para casa, não tivesse mais a amada. Foi assim que surgiu o Igor, que foi para o Médicos Sem Fronteiras, trocava cartas com a mulher amada e ao voltar descobre que ela se casou com outro.”
Mas, e as cartas de amor que ele recebia? “Foi assim que começou a surgir a história de envolvimento do Igor com a personagem da irmã da amada, a Cleo.” Bernstein teve referências em O Amor Dá Voltas? “Gosto de comédias românticas e tenho minhas preferências. Amo o Se Meu Apartamento Falasse, de Billy Wilder, e também, mais recentes, os filmes escritos por Richard Curtis. Quatro Casamentos e Um Funeral, Um Lugar Chamado Nothing Hill. São “dramédias”, com figuras com as quais o espectador pode se identificar pela humanidade. Foi o que busquei/buscamos com O Amor Dá Voltas.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.