O alerta que vem antes da automutilação
Os atos de automutilação, têm como intenção o alívio de dores emocionais e, em grande parte dos casos, estão associados ao Transtorno de Personalidade Borderline. A automutilação também pode ter como causa o alívio do sentimento de culpa, derivado da noção de pecado e purificação, oriundo das crenças religiosas. Ela pode vir de uma dinâmica familiar desequilibrada, na qual a criança ou o adolescente não se sente protegido e seguro, não conseguindo aprender nesse núcleo primário, entender, viver e expressar seus sentimentos. A automutilação pode estar associada aos valores culturais (consumismo, imediatismo e individualismo), que levam as pessoas a se distanciarem de si mesmas e das demais, a consumir e a querer tudo para ontem.
As pessoas se relacionam com as outras e com o mundo através da tecnologia. Elas se sentem acompanhadas por estarem com seus celulares. O “tête-à-tête” se tornou “démodé”. As relações são mediadas pela tecnologia e cada um está encerrado na própria tribo, levando as pessoas a atitudes e comportamentos não reflexivos, a se movimentar na direção que a moda dita. Distantes de si mesmas e sem saber para onde estão indo, se movimentando como que num estado de hipnose, no qual seguem apenas os comandos de outra pessoa. Mas, como todo aquele que é hipnotizado o é apenas por alguns minutos ou horas e depois acorda, essas pessoas também, num dado momento, serão despertadas pela realidade, sem saber quem são, o que querem, para onde estão indo e o que construíram durante esse tempo. Nesse despertar súbito, a realidade não é gentil, a pessoa se sente perdida, insegura e indigna ou desconhecedora de como buscar o bem-estar e contentamento. Aí o que resta é a automutilação. Ela também pode se apresentar como uma forma de chamar a atenção, um pedido de socorro ou de visibilidade. É um sintoma psíquico que pode se manifestar por diferentes causas e momentos. Tudo o que diz respeito ao aparato psíquico, ainda se encontra obscuro e é preciso lançar luz. A mente humana é uma esfinge. Ou a deciframos ou somos engolidos por ela.
Sempre que alguém apresentar comportamento diferente do habitual, que implique em afastamento do social, imerso em tristeza “infundada”, desinteressado por atividades que davam prazer, e se machucar com frequência, deve procurar ajuda. É importante recorrer a um psicólogo ou psicanalista ou psiquiatra, a fim de entender e tratar o que está acontecendo e não tentar se esconder atrás de cansaço, tensão e estresse, entre outras justificativas. Todo sintoma psíquico, por um lado, aparece de forma singela e evolui de forma progressiva, por outro, a pessoa tenta escondê-lo e justificá-lo fora da esfera mental. Quando se dá conta, o sintoma já se expandiu o suficiente para obturar o campo existencial e roubar aquilo que o sujeito tem de precioso: se sentir bem dentro da própria pele. A única saída é enfrentar a dificuldade, buscando ajuda profissional, e enfrentar a nós mesmos diante do outro. Ao responder a pergunta socrática “conhece-te a ti mesmo?”, a resposta logo aparece: “não.” Esse é o ponto de partida. Se não me conheço, chegou o momento de ser apresentado a mim mesmo.