Nunes aposta em lei para conectar periferia à internet
Maryana Siqueira de Lima, de 8 anos, ganhou um “presentão” no mês passado. Depois de meses aguardando a Prefeitura de São Paulo cumprir a promessa de entregar tablets aos estudantes da rede pública para assegurar o ensino remoto em tempos de pandemia, o equipamento finalmente chegou às mãos da aluna do 3.º ano do ensino fundamental. Mas logo a euforia deu lugar à frustração. O chip que permitiria acesso à internet não funciona onde a menina mora, no Capão Redondo, na periferia da zona sul.
Já conhecida, a exclusão digital foi exposta como nunca com a chegada da covid-19, obrigando a Prefeitura a correr com o desenvolvimento e a aprovação de uma política de conectividade que reduza as desigualdades sociais também na esfera virtual. No cargo há menos de um mês, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) diz ser uma de suas prioridades aprovar uma nova legislação para a instalação de antenas de celular e internet que ajude a ampliar a cobertura.
Semana passada, o Executivo encaminhou um projeto de lei à Câmara Municipal que modifica as exigências atuais e pode ser votado já na quarta-feira. A proposta estabelece uma espécie de “compensação social” para as empresas interessadas em licenciar novas estações de rádio-base ou mesmo regularizar equipamentos considerados ilegais pela Prefeitura.
Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) conduzida pela Casa em 2019 apontou ao menos R$ 43 milhões em multas aplicadas às operadoras sem que fossem pagas. Na maioria dos casos, o valor se refere a antenas instaladas sem licença e em locais não prioritários.
O ‘mapa digital’ da cidade é claro: moradores dos bairros mais distantes do centro são os que têm mais dificuldades para conseguir sinal de qualidade. Em alguns locais, ele nem sequer existe, deixando parte da população sem acesso a serviços públicos agora ofertados de maneira online. Há casos de falta de acesso não só em escolas, mas em postos de saúde.
O fornecimento de internet já virou serviço essencial, como oferta de água, luz e esgoto, conforme afirma o diretor da escola onde Maryana estuda. “Os alunos mais pobres não têm wi-fi em casa. Para eles, se o chip não funciona, o tablet não serve. A cobertura precisa ser ampliada para que esses estudantes tenham acesso ao nosso conteúdo”, diz Fábio Botta, da Emef João Pedro de Carvalho.
Contrapartida
Se aprovada como está, a proposta permitirá que o Município determine uma área prioritária para receber novas antenas. Neste caso, se as operadoras quiserem atuar fora desse perímetro, serão obrigadas a ‘compensar’ a cidade com instalações em locais indicados.
Nunes diz que essa é uma forma de estimular a universalização de cobertura e, como consequência, uma maior efetividade dos programas e investimentos feitos pela gestão. Só na compra e configuração dos tablets, foram gastos R$ 600 milhões.
“Não temos legislação que contemple a tecnologia atual. As antenas são bem menores agora e podem ser pulverizadas. Além da questão do 5G, percebemos com a entrega dos tablets que, mesmo com o chip, muitos ficam sem acesso. E é por isso que propomos esse contraponto na lei: se uma empresa quiser colocar uma antena na Vila Mariana, por exemplo, terá de instalar outra em Perus.”
Segundo o presidente da Câmara, vereador Milton Leite (DEM), o texto deve receber alterações durante o processo de votação para que a nova lei determine ainda que as licenças sejam dadas da periferia para o centro. Exigências que, segundo a associação do setor, são “usurpação de competência”.
O presidente da TelCom, Luiz Henrique Barbosa, ressalta que a atual lei foi considerada inconstitucional justamente por avançar em temas que não são de sua competência.
“Legislar sobre telecomunicações é uma competência da União. Por mais louvável que seja a iniciativa de apontar áreas prioritárias essa não é uma função da Prefeitura. Esse caminho deveria ser trilhado de forma institucional, não por meio de lei. Está se criando um monstrinho”, disse Barbosa, que já fala em judicialização.
Para a mãe de Maryana, a auxiliar técnica Aline Aparecida Siqueira, o debate político deveria ser só um: conectar os que estão fora da rede. “A sorte é que moramos ao lado da minha mãe e dá para pegar o sinal de internet que ela tem em casa.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.