• Novo álbum de D2 une samba e terreiro e busca ‘batida perfeita’

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  • 15/06/2023 07:01
    Por Danilo Casaletti / Estadão

    No dia em que a reportagem do Estadão se encontrou com Marcelo D2 para uma entrevista em um café no centro de São Paulo, a notícia da morte da cantora brasileira Astrud Gilberto (1940-2023) estava nas manchetes do noticiário. Astrud, assim como Rita Lee (1947-2023) quando morreu, estava afastada dos palcos havia cerca de duas décadas.

    O papo com D2 começou por essa questão: você já pensou em abandonar shows e discos? “Claro que já tive vontade de fazer isso, sobretudo depois de 30 anos de carreira. Nos últimos cinco, seis, ela foi mais forte. Às vezes, parece que a gente não tem mais nada para dizer. Por isso, quero sempre me reinventar, tá ligado?”, avisou o cantor e compositor.

    Nesse sentido, Iboru – Que Sejam Ouvidas Nossas Súplicas (Altafonte), novo álbum de D2 que chegou às plataformas de música, cumpre o desejo do artista de fazer algo novo e, de quebra, com o perdão do clichê, avançar em sua busca pela batida perfeita. Desta vez, uma batida mais próxima do samba que, a bem da verdade, sempre esteve no trabalho do D2. A diferença é que, agora, o gênero se torna protagonista do nono álbum de estúdio do rapper.

    Com 16 faixas inéditas – um álbum grande para os padrões atuais -, Iboru foi dividido em três partes. Na primeira, D2 mostra o que ele propõe como “novo samba tradicional”. Depois, o disco fica bem terreiro e baiano, com a participação do grupo Metá Metá e do músico Mateus Aleluia. Em seguida, torna-se popular com a participação de Alcione e Zeca Pagodinho. Termina com uma mensagem de esperança.

    “O samba não está na pauta dessa molecada que está ouvindo trap, que está no TikTok. Minha ideia é mudar isso. Quero propor que eles sambem. A gente pode sambar junto e continuar no TikTok”, diz.

    D2 tinha consciência de que, desde que gravou Marcelo D2 canta Bezerra da Silva, em 2010, o público esperava que ele fizesse um disco autoral de samba. Para conquistar os novos ouvintes, ele desdobra o epílogo do álbum dedicado a Bezerra: pega a batucada tão estimada pelo amigo e a submete à influência do rap.

    “Meu samba conversa com tradição, mas é contemporâneo pra caramba porque eu botei os graves do rap e da cultura hip hop. Isso abriu uma porta, na minha cabeça, que não ocorria desde a época de A Procura da Batida Perfeita“, diz, empolgado. “A música pop atual é grave”, acrescenta.

    PROPOSTA

    Para D2, o samba, que sempre foi vanguarda, não avançava desde os anos 1990, quando o pagode romântico dominou as paradas. “Não sei se esse meu álbum será uma virada, mas esse som é minha nova proposta. O samba, por ter o surdo, talvez tenha sido o último a buscar essa sonoridade grave.”

    Para chegar à sua ancestralidade do futuro, D2 pegou influências do rapper americano Kendrick Lamar e mistura com o canto de Clementina de Jesus. Ambos tiveram que conciliar suas raízes com uma nova realidade. Lamar, por ser um rapper que virou popstar. Clementina, empregada doméstica que cantava os cantos de seus antepassados, foi colocada, depois de mais de 60 anos, para cantar na TV e em discos.

    “Também me acho um estranho no ninho por ter virado um popstar, até hoje. Sou maconheiro e suburbano. Até os meus 20 anos, eu era invisível”, define-se D2, 55 anos, que foi lançado direto para o sucesso nos anos 1990, no grupo Planet Hemp.

    A palavra Iboru, que D2 escolheu para o título de seu novo trabalho, é parte da saudação “Iboru, Iboya, Ibosheshe”, usada pelos seguidores do Ifá, religião de matriz africana da qual ele se tornou seguidor há cerca de dois anos. Seu significado: “Que sejam ouvidas as nossas súplicas”.

    A busca por algo mais espiritual começou em Assim Tocam Meus Tambores, álbum anterior de D2, de 2020. O rapper Criolo e o pesquisador e compositor Luiz Antônio Simas, irmão de Ifá, contribuíram nesse processo. Simas é coautor de duas faixas do álbum. “Foi com Simas que eu comecei esse papo de ancestralidade. Ele é um grande conhecedor do povo da rua. Eu demorei um bom tempo para entender de onde vim. Sou um homem negro que desfruta das regalias de um homem branco. Questionei tudo isso”, admite.

    Em 2021, D2 perdeu a mãe, Paulete Peixoto. É ela que abre o disco. O rapper reproduziu na faixa Saravá, cheia de axé e saudações à espiritualidade, uma mensagem de áudio da mãe na qual ela elogia uma apresentação do filho.

    Na faixa Pedacinhos de Paulete, D2 resume a vida da mãe. Em Pra Curar da Dor do Mundo, que fecha o disco, a voz dela aparece de novo, desta vez ensinando o filho a cozinhar feijão. “Até hoje não aprendi”, confessa o cantor. A espiritualidade ainda aparece em faixas como Povo de Fé, que tem a participação de Nega Duda, e Tambor de Aço, dedicada a Ogum.

    Parceria com Zeca Pagodinho, Carlos Sena, Otacílio da Mangueira, Xande de Pilares, Bundalelê, com refrão mais popular, entra como alívio para as faixas mais “cabeças”, como define D2. ‘Vou fazer o maior bundalelê quando eu encontrar você. Vou fazer o maior bundalalá quando a gente se encontrar’, diz a letra cheia de malícia.

    D2 diz viver um momento “otimista cauteloso”, depois dos últimos quatro anos, mas isso não o impede de desdobrar Iboru em outros projetos. Um deles é um curta-metragem que narra um encontro fictício entre Clementina de Jesus, Pixinguinha e João da Baiana, em 1923. Na história, Pixinguinha volta da Europa e convence os amigos da necessidade de se fazer um novo samba tradicional, uma analogia a Iboru. O roteiro e a direção são do próprio D2 e a codireção é de sua mulher, Luiza Machado.

    ANCESTRALIDADE

    As outras ações envolvem moda, artes plásticas e ocupações nas cidades de São Paulo, Rio e Salvador para debater a ancestralidade com profissionais que trabalharam no disco e no curta.

    D2 planeja fazer outros dois volumes com essa pegada do samba que agora chama de seu. Uma das músicas para futuros lançamentos, Tua Volta, Meu Perdão, outra inédita de Zeca Pagodinho, deve ser lançada em breve em single.

    O rapper carioca, que veio a São Paulo passar um mês e já quer ficar um ano, conseguiu quatro patrocínios para seus projetos: Vivo, Puma, Budweiser e Jack Daniels. O valor ele não revela. “Eu não virei artista para fazer o que as pessoas esperam. Nem para ganhar dinheiro. Virei artista para fazer um disco como esse. Creio que achei o que fazer nos próximos cinco, dez anos.”

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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