Noves fora, zero
Pois não é que, novamente, tornei a sonhar? Era eu, sentado naquela cadeira mais alta da mesa-ferradura da Câmara, a do vereador-presidente do Plenário. O tema que estava em debate era a situação pré-falimentar de Petrópolis, que não entendera os maydays emitidos por Brasília e Rio de Janeiro, embora estivesse na cara que, aqui como lá, a livre gastança na Casa Grande não se harmonizaria por muito tempo com o miserê da Senzala.
Já haviam falado doze vereadores, ainda faltavam dois discursos, fora o meu. O emprego de vereador era o filé-mignon de Petrópolis, pois aos ricos proventos básicos e colaterais não correspondia nada que lembrasse batente (e se alguma tarefa viesse a me caber, poderia escanteá-la para os assessores do gabinete). Mas aquelas reuniões onde o nada conduzia à coisa nenhuma eram chatas demais além da conta.
No meu sonho, embalado pela voz monocórdia do orador da vez, que tédio!, sentia-me adormecer dentro do sono. No final do mês viria o meu, de qualquer jeito; tudo bem, então. Mas por que razão sentia-me enrubescer, ter nojo daquele vazio folheado a ouro, achar inaguentável aquela parolagem sem sentido? E o meu “eu” presidente do Legislativo não teve como manter o seu papel decorativo: cortou o som do orador, passou-o para si mesmo e desabafou: “Senhoras e Senhores Vereadoras, chega! Fico vexado em ver o que fizemos deste Parlamento, que custa horrores para produzir migalhas. Petrópolis clama por controles, medidas radicais, e estamos aqui a viajar na maionese, falando abobrinhas e doidos para que acabe esta reunião oca e voltar para casa. Basta! Voltemos ao caminho certo d’antanho. Votemos uma Lei que reduza o nosso salário a zero. Rosca, nada, bulhufas. Ser edil deixará de ser boca para ser honra, e centenas de petropolitanos éticos disputarão o direito de trabalhar por seu Município, como se fossem outros tantos Ouvidores que nos recusamos a eleger. Gabinetes de assessores? Fora as exceções, cabos eleitorais carentes de rendas mesmo compartilhadas… Coloquemos em seu lugar e via Concurso, uma dúzia de bons consultores na Casa, versados em direito, contabilidade, arquitetura, engenharia, saúde pública, educação, administração pública, assistência social, RH e Previdência, ao dispor de todos. Também proibamos que o vereador indique quem quer que seja para cargo de confiança no Executivo ou Legislativo. A vereança passará a ser a representação do povo, nos termos da CF, artigo 1º, parágrafo único, aquele mesmo que não se quer ler.
Os partidos, ervas de passarinho que sufocam o Brasil, serão convidados a se refundar e não negar legenda aos candidatos a vereador apoiados pelas entidades da sociedade civil organizada. Sendo o trabalho de graça, os picaretas não vão mais disputar o cargo de edil.
E assim, nós quinze, estaremos economizando entre vinte e cinco e vinte e sete milhões por ano, e trabalhando melhor. Leis não publicadas, Executivo ao léu, Ouvidor engavetado, audiências de fancaria, mordomias idiotas, atas atrasadas, nunca mais”.
Acordei. Tinha sido um sonho, mas estava feliz; nem que fosse só na minha cabeça e por um instante, o povo tinha recuperado 15 Vereadores.