Nova Constituição da Tunísia mina democracia e consolida ‘ultrapresidencialismo’
Os tunisianos aprovaram uma nova Constituição que consolida o governo de um homem só instituído pelo presidente Kais Saied no ano passado, de acordo com os resultados de um referendo divulgado nesta terça-feira, 26, dando um golpe em uma democracia construída com imenso esforço e grandes esperanças após a derrubada do ditador do país há mais de uma década.
A Tunísia, onde as revoltas da Primavera Árabe começaram há mais de uma década, foi elogiada internacionalmente como a única democracia a sobreviver às revoltas que varreram a região. Mas esse capítulo efetivamente terminou com a aprovação da nova Carta, que consagra o poder quase absoluto que Saied conferiu a si mesmo um ano atrás, quando suspendeu o Parlamento e demitiu seu primeiro-ministro.
Ainda assim, o referendo realizado na segunda-feira foi prejudicado por boicotes em massa, apatia dos eleitores e uma configuração fortemente inclinada a Saied. A Constituição foi aprovada por 94,6%, de acordo com os resultados divulgados pela autoridade eleitoral.
O referendo constitucional faz parte do roteiro do presidente tunisiano, que em 25 de julho de 2021 decretou estado de emergência para corrigir, segundo declarou na época, o curso revolucionário que começou em 2011 com a queda da ditadura de Zine al Abidine Ben Ali.
Revés definitivo afetaria não apenas as liberdades políticas do país, mas também as perspectivas de movimentos democráticos em todo o Oriente Médio e no norte da África
A nova Constituição substituirá a atual de 2014 e formará um sistema político que passará de parlamentar, como o atual, a “ultrapresidencial”, pois confere maiores poderes executivos ao chefe de Estado e enfraquece o papel do Parlamento.
Juristas alertaram sobre a falta de independência judicial e a separação de poderes que garantem o Estado de Direito no novo texto que, em sua avaliação, “codifica o autoritarismo”.
Calendário eleitoral
Após a contagem dos votos, tem início agora um período de alegações entre 30 de julho e 27 de agosto até a publicação dos resultados finais em 28 de agosto.
O texto contempla nas disposições transitórias que o decreto de setembro de 2021, pelo qual o presidente governa com medidas excepcionais, será mantido até a formação de um novo Parlamento (Assembleia dos Representantes do Povo).
Saied anunciou eleições legislativas para 17 de dezembro, data em lembrança da autoimolação em 2010 do jovem vendedor ambulante Mohamed Bouazizi na cidade de Sidi Bouzid em 2010, considerada a centelha dos protestos que levaram à revolução.
Na segunda-feira, dia 25, se completou um ano desde que Saied destituiu o primeiro-ministro e suspendeu o Parlamento – depois dissolvido – para “salvar” a nação, além de ser o 65º aniversário da proclamação da República da Tunísia por Habib Bourguiba.
O presidente tunisiano, que insiste na criação de uma “Nova República”, baseou o atual roteiro político em uma pesquisa digital realizada em janeiro na qual participaram pouco mais de 5% dos eleitores registrados.
A maioria dos partidos políticos pediu um boicote ao referendo histórico que não contempla um limite mínimo de participação para a aprovação final do projeto constitucional. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)