‘Nosso triunfo dependia do apoio que não tivemos’
Em maio, a Colômbia terá sua segunda eleição presidencial após a assinatura do acordo entre governo e Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), principal guerrilha do país. Há quatro anos, a vitória de Iván Duque colocou em dúvida a continuidade do acordo.
“Quatro anos se perderam desde a assinatura. Se voltarmos a cometer o mesmo erro, quem sabe o caminho que a Colômbia vai tomar. Por isso, essas eleições são cruciais”, disse Rodrigo Londoño, conhecido como Timochenko, ex-líder das Farc e líder do Partido Comunes, ao Estadão.
Qual a importância dessas eleições na Colômbia?
Estamos em um momento histórico. Nós, colombianos, nos equivocamos em eleger um presidente cuja bandeira foi ser contra os acordos de paz. Por sorte, o acordo está protegido, mas quatro anos se perderam. Se voltarmos a cometer o mesmo erro, quem sabe o caminho que a Colômbia vai tomar? Por isso, essas eleições são cruciais.
Depois do acordo de paz, o sentimento na Colômbia era de esperança. O que aconteceu?
Infelizmente, o acordo não foi implementado e voltamos a ter violência. Mas não podemos perder a esperança. O acordo está feito. O pouco que se conseguiu foi por obrigação das circunstâncias. Vimos que é possível a paz.
É possível negociar com a Venezuela o apoio a grupos criminosos na fronteira?
A Colômbia precisa resgatar sua tradição diplomática de boa vizinhança. Acusar o governo venezuelano de apoiar esses grupos é uma afirmação complexa. Pessoas que apoiam esses grupos existiram a vida inteira. Narcotraficantes e contrabandistas encontram apoio em setores corruptos das Forças Armadas da Venezuela. Mas dizer que é algo oficial, não ajuda em nada.
O narcotráfico é um dos principais problemas no país. Como tratar isso?
Esse fenômeno não será resolvido por apenas um país. Enquanto houver a demanda, haverá a oferta.
Houve muita decepção com ex-companheiros que voltaram às armas?
Não foram muitos. Aqui ficaram os melhores. Infelizmente, quadros importantes fizeram isso e nos perguntamos o motivo. Homens que ajudaram na construção do acordo de paz e voltaram atrás.
Qual a importância de reconhecer os crimes cometidos no conflito?
Esse é um tema interessante, porque é algo original. Quando estávamos na discussão do tema das vítimas do conflito, nasceu o sistema integral de justiça e reparação, cuja coluna vertebral é a verdade para todos os atores. Esse sistema não foi construído para as Farc, mas para todos os atores do conflito, para buscar uma solução distinta das soluções punitivas e de castigo. Aqui seremos punidos, mas com sanções para reparar o dano à sociedade colombiana.
Com a proximidade do dia da assinatura do acordo de paz, como foi se sentindo?
Nosso triunfo dependia do apoio das pessoas, que não tivemos. Em 50 anos, não tivemos o apoio da maioria. Isso nos foi ensinando que havia outros caminhos.
Como era a vida das crianças na guerrilha?
Era um dos grandes problemas. Tentávamos não ter filhos, porque conviver na guerra era impossível. Por isso, quando nasciam crianças, deixávamos com parentes. Tive uma filha, 38 anos atrás. Eu a vi com 2 meses e depois com 5 anos, porque ela foi criada por parentes. Agora, tenho um filho de 2 anos que vive comigo.
Sente falta de algo da vida no campo?
Era uma vida bonita e poderia ser mais, se não tivéssemos em guerra. No começo da guerra, um correio levava três meses para ir e voltar. Agora, é uma coisa dinâmica. As decisões precisam ser tomadas mais rapidamente. O contraste é evidente.
Você se arrepende da luta armada?
Fiquei 40 anos na luta armada. Entrei com 17 anos nas Farc, e com 57 anos assinei o acordo. Há coisas que, olhando agora, eu faria de outra maneira. Ter me vinculado à luta nunca foi um arrependimento. Com 17 anos, entrei com um sonho para as Farc. Com 57 anos, assinei um acordo com esse mesmo sonho. Mas há coisas que tomamos consciência agora, coisas não deveríamos ter feito.
Como você vê hoje a relação entre os países latino-americanos?
Esse é um tema complexo. Uma situação era a que existia quando assinamos o acordo de paz. Outra é a que vemos agora. O tema mais complexo continua sendo o econômico e a grande dependência das grandes potências. É preciso impulsionar o diálogo e retomar os mecanismos de integração regional, como Unasul e Celac.
Como o sr. vê a situação na Ucrânia hoje?
A guerra não é o caminho para resolver os conflitos. O caminho do diálogo, da discussão e do debate é o que deve ser feito. O mais grave é que agora se coloca em risco a segurança de todos. E há possibilidades de um conflito nuclear, do qual não sairá nenhum vencedor.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.