• No norte da Ucrânia, reconstrução e temores de uma nova invasão russa

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  • 05/06/2022 08:10
    Por Stefan Weichert, especial para o jornal O Estado de S. Paulo / Estadão

    O estrondo da explosão do míssil sacudiu os edifícios e despertou Andrei Bubir, de 48 anos. Ele abriu a janela e viu a fumaça subindo da escola britânica, onde depois foi encontrada uma mulher morta, que supostamente estava buscando abrigo quando o míssil atingiu o local.

    Se o ataque tivesse ocorrido três meses atrás, no início da invasão russa, Bubir teria corrido para se abrigar no porão, mas hoje ele nem se incomoda. Em vez disso, simplesmente voltou a dormir.

    “A fronteira russa é perto daqui. Isso acontece o tempo todo”, afirmou Bubir à reportagem do jornal O Estado de S. Paulo. “Nós nos acostumamos com isso. Os russos podem ter sido expulsos de Kharkiv, mas a guerra está longe de acabar. Estamos nos acostumando com ela.”

    Bubir referia-se à maneira como o Exército ucraniano foi capaz de fazer as forças russas recuarem das proximidades de Kharkiv. No início da guerra, os russos cercaram quase completamente a cidade, mas foram forçados a recuar – assim como o que ocorreu em torno da capital, Kiev. Desde então, os moradores estão voltando, na esperança de retomar suas vidas.

    “O prefeito de Kharkiv fica repetindo que as pessoas deveriam voltar, que as coisas estão melhores agora, mas olhe para isso”, afirmou Bubir, apontando para a escola. “Aqui não é seguro. Os russos conseguem nos atingir por todos os lados, e é provável que tentem tomar a cidade novamente.”

    Destruição

    A explosão do míssil espalhou pelo terreno da escola materiais escolares, livros e roupas. As pessoas mostram indignação, balançando negativamente a cabeça quando passam pelo local. Outros dois mísseis atingiram alvos na cidade na noite da quarta-feira – um lembrete de que a guerra não acabou.

    “Simplesmente odeio o povo russo. Quero que eles deem o fora daqui e voltem para o lugar de onde saíram. Não precisamos deles aqui, com todos seus tiroteios e bombardeios. É óbvio que Vladimir Putin não se importa com o povo daqui. Ele só quer nossa terra.”

    O prefeito de Kharkiv, Ihor Terekhov, disse ao jornal O Estado de S. Paulo que cerca de 2 mil pessoas estão retornando diariamente. Segunda maior cidade da Ucrânia, Kharkiv tinha 1,5 milhão de habitantes antes da guerra. Desde então, mais de 500 mil pessoas fugiram da cidade, que se tornou o epicentro da invasão russa entre fevereiro e março.

    Mais de 2 mil edifícios, 109 escolas e 55 instalações médicas foram bombardeadas em Kharkiv desde o início da invasão, em 24 de fevereiro. A infraestrutura da cidade também foi castigada. Recentemente, Terekhov reativou o metrô e tem tentado reavivar a economia. A guerra deixou muitos desempregados e empurrou as pessoas para a pobreza.

    “As coisas estão melhorando, mas a situação é terrível. É difícil ver como isso afetou nossas crianças, removeu seus sorrisos. Nunca esqueceremos das ações da Rússia”, afirmou o prefeito.

    Perigo

    Ele admite que se trata de uma situação difícil. Por um lado, as coisas estão melhores agora do que estavam um mês atrás, pois o Exército russo foi expulso dos limites da cidade. Mas ataques aéreos ainda ocorrem com frequência, o que deixa todos os cidadãos em perigo a todo momento. Uma semana atrás, um ataque de míssil no centro de Kharkiv deixou 9 mortos e 17 feridos.

    Recentemente, também houve relatos de exercícios militares conjuntos entre forças belarussas e russas nas fronteiras norte da Ucrânia. Há temor de que a Rússia tente tomar Kiev, Kharkiv e outras cidades, como no início da guerra. A Rússia tem avançado na região ucraniana do Donbas, tomando importantes cidades, como Severodonetsk.

    “Certamente percebo este perigo”, afirmou Terekhov, alertando que, se Kharkiv cair, toda a Ucrânia acabará caindo, e isso colocará a Europa em perigo. “Se Kharkiv cai, cai a Ucrânia. As próximas serão Estônia, Letônia e Lituânia. Talvez a Finlândia depois, assim como outros países.”

    Enquanto muitas pessoas em Kharkiv tentam retornar à normalidade, outras ainda se escondem. O metrô funciona como abrigo antibomba, e alguns cidadãos simplesmente se mudaram para lá. As pessoas dormem sobre finos colchonetes e só saem para buscar comida e água.

    Mikola, de 77 anos, que preferiu não informar seu sobrenome, está no metrô há três meses e não planeja sair de lá. Ele afirma que ainda é perigoso circular do lado de fora. Seu bairro sofre bombardeios semanalmente.

    Então, por que ele deveria voltar para casa? “Temos de chegar a um acordo de paz de alguma maneira”, disse ele ao jornal O Estado de S. Paulo. “Isso não pode continuar. As pessoas estão morrendo. Podemos não gostar de negociar a paz com a Rússia, mas precisamos fazer isso.”

    Vitória

    Nem todos concordam com a posição de Mikola, de que a Ucrânia deveria abrir concessões para a Rússia para alcançar a paz. Uma pesquisa do Instituto Republicano Internacional, realizada em maio, mostrou que 97% dos ucranianos acreditam que seu país vencerá a guerra.

    Isso deixa pouco espaço para negociações, segundo Nickolai Kapitonenko, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade Nacional Taras Shevchenko, de Kiev. “Atualmente, parece que não há caminho para a Ucrânia fazer concessões para a Rússia. Isso seria visto como uma derrota e cobraria um preço político alto demais”, afirmou. “A Ucrânia ainda acredita que é capaz de vencer a guerra, e o mesmo vale para a Rússia. Portanto, a guerra vai continuar, e acho que continuará por um bom tempo.” (Tradução de Guilherme Russo)

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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