• Nem tão diferente assim

  • 10/11/2018 07:00

    Acabamos de atravessar mais um processo eleitoral. Talvez o mais marcante da era pós-redemocratização do Brasil. Uma eleição marcada por acontecimentos históricos e, certamente, serão matérias de livros e crônicas futuras. Isso me fez lembrar a última eleição nos Estados Unidos. A mais emblemática que já acompanhei. 

    Nossos processos eleitorais são distintos. Na América, o sistema é predominante bipartidário (sim, existem mais de dois partidos), iniciados através do sistema de prévias. Essas funcionam da seguinte maneira: cada membro dos partidos que pretende disputar a eleição se candidata e todos percorrem cada estado americano debatendo prioritariamente para os eleitores e diretorianos do seu partido. Estes decidem, estado por estado, quem deve representar tal agremiação. Após as escolhas, inicia-se o processo eleitoral já polarizado entre o candidato democrata e o candidato republicano.

    Estamos em 2016, o então empresário Donald Trump coloca seu nome na disputada das prévias republicanas. Com discurso radical, reascendeu o patriotismo americano através das propostas econômicas protecionistas. Vivendo o final da crise americana, prometeu resgatar a reindustrialização dos Estados Unidos. Desacreditado na visão primitiva da velha oligarquia política dos caciques do seu partido, foi vencendo um a um nas prévias sem dificuldade. O partido republicano tinha certeza de que seu candidato, o Governador Rick Perry, do estado do Texas, venceria. Quando perceberam já era tarde de mais. Encamparam, obrigatoriamente, a candidatura de Trump que logo mais à frente tornou-se vitoriosa. Seu slogan “Maioria Silenciosa” acertou em cheio o sentimento do americano e silenciou a cúpula republicana. 

    Do outro lado o partido democrata, liderado pelo então presidente Barack Obama. Na visão mundial, um dos maiores líderes de todos os tempos, na visão interna, saiu com uma aprovação bem abaixo do esperado. Apostaram suas fichas na ex-primeira dama Hilary Clinton, que venceu as prévias com um pouco mais de dificuldade do então senador do estado de Vermont Bernie Sanders. Ele, autodeclarado social democrata, nacionalista e progressista, crítico ferrenho do sistema bancário americano e dos grandes oligopólios que financiam o processo eleitoral (sempre buscando algo em troca, é claro!). Caiu nas graças de boa parte dos americanos, arrastou multidões em suas palestras, principalmente a juventude, e as pesquisas mostravam que ele era o candidato mais elegível dentre todos. Após uma disputa acirrada no campo das ideias, mas “levemente” tranquila no campo eleitoral, Hilary Clinton consegue a cadeira democrata para a disputa. Dar-se início às eleições Americanas: Clinton x Trump.

     Como dito, o candidato republicano resgata o patriotismo americano através da necessidade de recuperação industrial, uma política protecionista de valorização da produção interna e críticas ferrenhas às empresas americanas que expandiam suas filiais mundo afora, enquanto o país atravessava uma das suas maiores taxas de desemprego. Resgatou, na minha visão, a doutrina lançada pelo presidente James Monroe em 1823: “A América para os americanos”.

    Já Hilary Clinton entrou na disputa com uma plataforma de defesa do legado democrata, principalmente do seu antecessor Barack Obama. Sua plataforma defendia o aumento da renda da classe média americana, o programa de saúde Obamacare, programas voltados para acesso gratuito à universidade, direitos dos homossexuais, imigrante e um maior controle do sistema de armas. 

    Donald Trump surpreendentemente vence as eleições elegendo 56.5% dos delegados. Contra tudo e todos, calou seu partido, o sistema político, a mídia americana e analistas/cientistas políticos que não enxergaram que o sentimento das ruas tinha mudado. 

    As diferenças do processo eleitoral brasileiro e americano são notórias. Nos Estados Unidos, o sistema é bipartidário onde o candidato é escolhido através das prévias internas. A eleição é apenas um turno e vence quem eleger mais delegados nos entes estaduais da federação conforme sua representatividade. Sim, lá não vence o mais votado pela população. O financiamento eleitoral é permitido para pessoa jurídica. 

    Mas, comparando especificamente o último processo eleitoral em cada país, as semelhanças são visíveis, a começar pelos atores. Imagina que: a cúpula do partido republicano é a direita liderada pelo PSDB; o governador Rick Perry é o Geraldo Alckmin; a cúpula do partido democrata é a esquerda liderada pelo PT; Senador Bernie Sanders é o Ciro Gomes; as prévias são nosso primeiro turno; Barack Obama é o Lula; Hilary Clinton seria o Fernando Haddad e o Donald Trump é o Jair Bolsonaro. 

    Dentro dessa ótica exclusivamente eleitoral, a eleição não foi tão diferente assim. Na verdade, essa guinada à direita é um ciclo mundial, e não apenas nos Estados Unidos e no Brasil. Além de nós, países na Europa, como a França, e na América do Sul, como a Argentina, já optaram por essa mudança política ideológica na administração governamental dos mesmos, isso sem mencionar as políticas públicas adotadas pelo Chile, Colômbia, México e por ai vai. O mundo deu a seta para a direita. Cabe-nos observar por quanto tempo.

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