• ‘Não somos solução para nada. Somos o problema’

  • 18/06/2021 13:00
    Por Vinicius Neder / Estadão

    O setor privado brasileiro tem a tradição de olhar preferencialmente para dentro do País, com uma posição protecionista em relação ao mercado doméstico, com “medo” do mundo. Era esse o norte, até o fim de 2019, do mais recente livro do economista Roberto Teixeira da Costa. Aí veio a covid-19, e o Brasil virou um “problema”, pária internacional, também por causa da ação do governo federal em relação ao ambiente e aos direitos humanos. O economista incorporou isso ao finalizar O Brasil tem medo do mundo? Ou o mundo tem medo do Brasil? (Noeses), lançado no início do mês.

    Agora, a solução para o Brasil melhorar a imagem no exterior passa pelas eleições gerais de 2022, diz Teixeira da Costa, que estruturou a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o órgão regulador do mercado financeiro, como seu primeiro presidente. Desde o início dos anos de 1980, dedica-se à articulação internacional empresarial, como fundador e membro de conselhos de várias entidades. A seguir, os principais trechos da entrevista.

    O Brasil tem medo do mundo ou o mundo tem medo do Brasil?

    As duas coisas. A origem do livro é saber por que o Brasil tem medo do mundo.

    E por que o Brasil tem medo do mundo?

    Uma coisa que o livro procura identificar é quais são as razões que fizeram com que o Brasil tivesse uma posição tão inferiorizada no contexto mundial e nunca se projetasse de maneira compatível com sua relevância mundial. Apesar de todos os percalços, somos um País de 211 milhões de habitantes, o maior da América Latina, com uma riqueza fantástica da natureza mineral, vegetal e da agroindústria. Temos um corpo de empresários laborioso e criativo, uma classe trabalhadora muito competente. Se somar tudo isso, abstraindo dificuldades conjunturais, não temos problemas estruturais que justifiquem não termos uma presença internacional muito maior.

    Toda a explicação está no mercado interno?

    Existem razões outras. Por exemplo, acho que existe um conservadorismo hereditário do nosso sistema de colonização. O Brasil não se vendia, era comprado. Todos os ciclos (econômicos) que o Brasil teve foram porque fomos procurados, desde o pau-brasil. Uma coisa que aprendi no mercado é que ações não são compradas, são vendidas. Caderneta de poupança não se precisa vender, mas o que são as ações? São o pedaço de uma projeção de um resultado futuro (de uma empresa) trazida a valor presente. Por isso, é preciso vendê-las.

    Como a pandemia afeta o mercado internacional?

    Uma das consequências da pandemia é que não podemos mais ficar dependentes de suprimentos de itens fundamentais da nossa economia vindos do exterior. Mesmo pagando mais caro, temos de ter produção interna para, nas crises, não ficarmos dependendo de suprimentos externos. Foi o que aconteceu agora. De repente, todo mundo acordou para o fato de que estamos todos na mão da China.

    A pandemia pode trazer um recrudescimento no protecionismo?

    Acho que vai acontecer. Embora o (presidente dos Estados Unidos, Joe) Biden diga que é a favor do multilateralismo, estamos vendo um grau de solidariedade entre os países, para enfrentar a crise, muito baixo. Não estamos vendo cooperação na América Latina.

    Isso não pode reforçar a aversão do empresariado brasileiro à abertura?

    Temos de lutar contra isso. O título do meu livro estava pronto no fim de 2019: Por que o Brasil tem medo do mundo? No início de 2020, veio a pandemia, e tive de rever totalmente. Essa revisão obrigou a acrescentar: Por que o mundo tem medo do Brasil. Hoje, não somos solução para nada. Somos o problema. Criamos uma situação de isolamento, por causa da questão amazônica, de direitos humanos e do meio ambiente. O investidor estrangeiro tem medo do Brasil. Por quê? Nunca vi tanta abundância de capitais no mundo como hoje. Se o Brasil tivesse mínimas condições, deveríamos estar sendo abarrotados de capital. Só que o Brasil, hoje, é um pária do mundo. Ninguém quer saber do Brasil.

    O que fazer agora?

    Vamos ter de fazer um trabalho muito bem organizado, juntando todas as forças vivas do País, empresários e governo, e não o governo atual. A grande esperança são as eleições de 2022. Não acredito que consigamos mudar a nossa imagem externa agora. Temos de fazer um trabalho para encontrar estadistas.

    Está otimista com as eleições de 2022?

    Acredito no povo brasileiro. Acho que, no fim do dia, as pessoas vão se dar conta de que, realmente, precisamos mudar.

    Qualquer governo no lugar do atual é melhor?

    Não tenho a menor dúvida. O que não podemos é substituir seis por meia dúzia. Por isso, temos de escolher bem. Espero que, até junho do ano que vem, o cenário (eleitoral) esteja definido, com as candidaturas do presidente (Jair Bolsonaro), do (ex-presidente) Lula e da terceira via.

    O ex-presidente Lula é uma alternativa melhor?

    É uma pergunta delicada. Teria de refletir muito, mas, certamente, não votaria no Bolsonaro, por definição. No Lula, depende do comportamento que ele vai ter daqui até as eleições. O Lula teve bons períodos na Presidência da República. Internacionalmente, foi até uma surpresa. Havia um encanto enorme com o Lula no cenário internacional. Era a pessoa que ia mudar o Brasil, no entanto, aconteceu o que aconteceu.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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