• Não é o caminho da defesa real da democracia

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  • 14/01/2023 08:00
    Por Gastão Reis

    Ainda me lembro bem de um curso que fiz na Universidade da Pensilvânia intitulado “Sistemas Econômicos Comparados”, dado pelo Prof. H. Levine, por volta de 1979. As aulas eram debates sobre uma coleção de monografias (“papers”) referentes às economias dos países comunistas do leste europeu, ainda nos tempos da antiga URSS. Professores das melhores universidades americanas recebiam uma verba (“grant”) do senado para realizar as pesquisas e fornecer informações sobre a real situação daquelas economias em contraponto às economias de mercado. 

    Dois exemplos dados pelo Prof. Levine das falhas do planejamento central me ficaram na mente até hoje. Um deles foi de uma grande fábrica têxtil que tinha que bater determinada meta  de produção em quilômetros de tecido. O burocrata diretor não titubeou. Estreitou a largura do tecido produzido e bateu folgadamente a meta que lhe foi dada, ainda que medido em km2 quadrados, pudesse ser menos do que havia produzido no ano anterior. O segundo foi uma fábrica de candelabros cujas metas eram medidas pelo peso. E foi assim que se tornou a fabricante dos candelabros mais pesados do mundo.

    Vejamos agora nosso tema correlato de hoje intitulado “Sistemas Políticos Comparados”. Ele engloba, por exemplo, formas de governo (república versus monarquia) e sistemas de governo (presidencialismo versus parlamentarismo), bem como tipos de organização político-partidária capazes de dar controle efetivo dos representados sobre seus representantes nos parlamentos municipais, estaduais e federais. E ainda questões fundamentais quanto ao grau de confiança de que as instituições gozam diante da população.

    Keynes em seu famoso “Ensaios em Persuasão”, publicado em 1926, de modo sucinto, resume bem o que foi dito acima. Diz ele: “O problema político da humanidade é o de combinar três coisas: eficiência econômica, justiça social e liberdade individual.” Entrelaçar estes três objetivos de algum modo, por certo, não é tarefa fácil.  

    De um modo geral, o Brasil não vem se saindo bem em nenhum dos três. A nossa eficiência econômica medida pelos ganhos de produtividade nos mais diversos setores deixa muito a desejar há décadas. Em termos de justiça social, a redução da desigualdade, que marca o país, não tem apresentado ganhos expressivos. Por fim, a liberdade individual, tanto política como econômica, está longe de ser satisfatória. Nossa história republicana, após o golpe militar de 1889, nasceu sob a ditadura da espada por quatro anos. Foi seguida, depois, por duas longas ditaduras, a de Vargas (1930-1945) e a de 1964 (1964-1985). Ambas marcadas por forte intervenção do Estado na esfera econômica e duras restrições à nossa liberdade individual pela censura dos meios de comunicação, atingindo inclusive nossa liberdade individual de empreender.

     A persistência desse estado de coisas preocupa, cada vez mais, aos historiadores, sociólogos, cientistas políticos, e outros profissionais correlatos.  Fazer um balanço em torno de princípios e valores que estão nos norteando desde o início da república joga luzes sobre o problema.

    Um estudo do Prof. William Summerhill, sobre os dois partidos políticos do Império, em sua última década, o Liberal e o Conservador, parece ser o fio condutor que buscamos para entender o desvio de rota nascido com a república. Ele fez um estudo sistemático das votações ocorridas no período, objetivando responder a duas perguntas fundamentais sobre a boa política: (1ª) Eles tinham programas de governo?; e (2ª) Eles votavam de acordo com seus programas? Ambos passaram galhardamente no teste. E o que veio depois?  

    É sintomático que os partidos Conservador e Liberal, nacionais, tenham sido substituídos por partidos de caráter regional como o Partido Republicano Paulista e o Partido Republicana Mineiro. A simples sigla já tinha o sabor da trágica política do café com leite, em que São Paulo e Minas Gerais se alternavam na presidência da república, excluindo do banquete os demais entes da federação. O resultado foi a Revolução de 1930, que partiu das regiões distantes do eixo Rio-SP-MG, tendo à frente os revoltosos do Rio Grande do Sul e de estados do Nordeste.

    A chegada de Vargas ao poder e o Golpe de 1964, na verdade, fortaleceram a velha tradição autoritária, ditatorial mesmo. A redemocratização iniciada em 1946, com a queda de Vargas, teve vida curta com a chegada dos militares ao poder em 1964. Estes até tentaram criar um sistema bipartidário, a ARENA e o MDB. Mas que não resistiu ao tempo, talvez em razão do estilo impositivo adotado em sua criação. E acabaram se desdobrando em várias siglas, tendência que se acentuou após 1985 com o fim do regime militar.

    Hoje, temos 25 partidos com representação na Câmara Federal. A perda de    

    Identidade dos partidos, distorcida pela presença de donos de partido, levou à criação das federações partidárias em busca de um mínimo de identidade ideológica. Não obstante, a tendência a criar novos partidos continua na ordem do dia, e trabalha contrariamente à necessidade de identidade político-ideológica e ainda de redução do poder pessoal dos donos dos partidos. 

     Aproveito para manifestar o meu repúdio aos atos de vandalismo mal explicados do dia 8 de janeiro deste ano em Brasília.  O discurso que se seguiu na defesa da democracia é sempre bem vindo. Mas cabe perguntar se trata da real democracia, em que os representados, de fato, controlam seus representantes, instrumentos que, a rigor, a república não oferece ao cidadão.

    O lado trágico da questão é que o novo governo empossado em 1º de janeiro corrente continua a bater na tecla do controle social da mídia. E lança  mão do combate às fake-news como arma de guerra, coisa que existe desde que o mundo é mundo. E que deve ser enfrentado processando, com indenizações e multas pesadas, a posteriori. E não a priori, com o governo definindo o que é que o cidadão deve ou não saber. Não é o caminho em direção à real democracia. Tem cheiro de regimes como o da Venezuela, como já ocorreu no passado muitas vezes, em que se usa a democracia para sepultá-la.

    (*) Assista: “A ENGANAÇÃO DE GRAMSCI”, que nos alerta sobre um coveiro da democracia.

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