Na rua, contra protagonismo da esquerda
Os grupos Movimento Brasil Livre (MBL) e Vem Pra Rua, que convocaram as manifestações contra Dilma Rousseff em 2016 e reuniram milhares de pessoas contra a petista, se organizam para voltar às ruas em setembro, desta vez pelo impeachment de Jair Bolsonaro. A ação conjunta é uma tentativa de pressionar pelo o impedimento do presidente, evitando que somente os grupos de esquerda sejam protagonistas neste processo. Sindicatos e partidos como PSOL, PT e PCO já têm promovido manifestações pelo País.
No cálculo para iniciar o movimento está tanto buscar a saída imediata do presidente que “incorreu em vários crimes de responsabilidade”, segundo afirma a advogada Luciana Alberto, porta-voz do Vem Pra Rua, quanto a avaliação de que, caso o impeachment se consolide, a rivalidade direta entre o presidente e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva possa se arrefecer. “O Lula se beneficia da candidatura do Bolsonaro”, diz Renan Santos, um dos coordenadores do MBL – para quem os protestos, até aqui, são também atos de pré-campanha do líder petista.
Renan afirma que o foco dos atos não é Lula, mas, sim, Bolsonaro. Luciana discorda. “Nossa frase é ‘Eles, não’. Nem Bolsonaro, nem Lula.” Esses grupos avaliam que não são bem-vindos aos atos convocados pela esquerda, e citam como exemplo a hostilidade recebida por um grupo do PSDB no último protesto em São Paulo, em 3 de julho. Mas dizem que qualquer pessoa, incluindo as de esquerda, serão bem recebidas caso compareçam para defender o impeachment de Bolsonaro.
O Estadão conversou com Renan Santos e Luciana Alberto para saber mais sobre a organização dos atos contra o presidente, as expectativas e quais são as avaliações deles sobre o cenário atual e sobre o movimento de 2016. Confira, a seguir, os principais trechos das entrevistas.
‘AS MANIFESTAÇÕES SÃO O PRINCIPAL ÍNDICE DE INSATISFAÇÃO’
Por que o MBL decidiu assinar o “superpedido” de impeachment de Bolsonaro?
Para mostrar que, enquanto oposição, há um desejo uno, a despeito de todas as diferenças, em derrubar o Bolsonaro, tirar ele do poder. Entendendo que é uma miríade de crimes que foram cometidos por ele.
Por que voltar às ruas para se manifestar pelo impeachment?
Querendo ou não, a manifestação de rua, os atos de rua, ainda são o principal instrumento de demonstração pública de insatisfação com um determinado político. É o principal índice, é o principal indicador utilizado pelos políticos para medir isso. Porque demonstra um nível não só de raiva em redes sociais, que é comum, mas pessoas que estão indignadas. O ato político demonstra que pessoas que votaram no Bolsonaro no segundo turno não apenas o rejeitam como o querem fora. É um ato que tem um poder simbólico enorme.
A parte da oposição à esquerda já está nas ruas. Dá para pensar em se unir aos atos deles ou na presença deles nas manifestações de vocês?
Os organizadores das manifestações de esquerda foram especialmente partidos como PT e o PSOL. PCO, inclusive. Então, obviamente, elas também têm em si a defesa do valor desses partidos, a candidatura do Lula. O pessoal do PDT foi vaiado. Não é um lugar que temos de ir ou que recomendamos que vão as pessoas que têm nossa visão de mundo. É uma manifestação que tem um determinado caráter que, para o PT, é eleitoral. Agora, o que estamos falando: você é de esquerda e quer ir na manifestação, vá. Entendendo que você tem que respeitar a outra pessoa que está lá. Acho que todo mundo tem que baixar um pouco a bola, ceder um pouco para a gente poder construir uma coisa mais ampla. No caso das manifestações da esquerda eu respeito o espaço democrático deles, acho que tem que fazer oposição ao Bolsonaro, mas acho que eles são extremamente ostensivos na demonstração das candidaturas. Eles falam lá em derrubar a PEC do Teto, a reforma também. Tem um comício também eleitoral aí. Não acho que funcione para derrubar o Bolsonaro.
Então, para vocês, as manifestações até aqui são manifestações em favor do Lula?
Para parte da turma do PT, é.
Deste modo, há diferenças entre os atos que vocês estão convocando e os que já ocorreram até agora…
Isso. Tanto que a gente está convidando os presidenciáveis dos mais diversos a irem e participarem da manifestação. “Ah, eu quero ir para defender o fulano, beltrano.” Ora, gente, por favor, não façam isso. Isso afasta, isso rotula. O que tiver é “Fora, Bolsonaro”. Tem que ser o mínimo denominador comum. É o “Fora, Bolsonaro”.
Mas faz sentido marcar atos para só daqui a um mês?
A gente tem como uma característica as manifestações que fizemos (contra Dilma Rousseff, em 2016), o tempo de organização. A gente convocava com três meses, dois meses e meio de antecedência, porque a gente precisava divulgar. Diferentemente das manifestações de esquerda, nós não temos piso, ou seja, eles têm um público engajado, militância partidária, estrutural. Mas eles também têm um teto. Não temos piso, mas também não temos teto. A situação do Bolsonaro só piora daqui em diante. O que está sendo descoberto pela CPI, a situação do (líder do governo na Câmara dos Deputados) Ricardo Barros (PP-PR), que atinge o coração do Centrão. E aí o momento se cria.
Quais semelhanças veem entre aquele momento e agora?
Ali era um movimento em que, por mais que tivesse um momento de raiva e de libertação do PT, havia também uma esperança. Agora não. Agora é uma manifestação muito baseada numa frustração, sentimento de traição, de rancores com um presidente que usou as pessoas e agora está usando de roubar nas vacinas. Aqueles 47% que votaram nele rejeitam o governo. A mácula que o Bolsonaro deixou neles é uma coisa muito pesada, uma traição.
Qual é a avaliação, hoje, do movimento de 2016?
Foi um momento histórico, lindo. Um momento de enfrentamento de um projeto que estava no poder havia 13 anos, utilizando a corrupção para permanecer no poder. O movimento organizou as maiores manifestações da história do Brasil, tirou do poder um governo corrupto. Porém, as elites brasileiras não souberam entender o fenômeno e não deram uma resposta condizente àquilo. E a resposta, não havendo uma resposta da elite, foi enfiar um vingador ali, que foi esse idiota. A coisa saiu do controle. A culpa desse processo não ter dado certo como um todo é da elite política, a elite partidária brasileira.
‘A NOSSA FRASE É ELES, NÃO. NEM LULA, NEM BOLSONARO’
O que levou o Vem Pra Rua a protocolar um pedido de impeachment de Jair Bolsonaro?
Bolsonaro incorreu em vários crimes de responsabilidade, e a gente não pode se omitir, independentemente de quem seja presidente da República. Se nós queremos realmente avançar no País, seja no combate à corrupção, seja para conter a omissão e a negligência de um presidente da República, para que tenhamos mais agentes públicos responsáveis, é preciso que essas condutas sejam analisadas e que o impeachment, que faz parte do processo democrático, seja avaliado.
E o que motivou vocês a escolherem o 12 de setembro como o dia para a realização da manifestação? Por que só daqui a dois meses?
É uma ação tardia diante dos sérios crimes de responsabilidade que presenciamos ao longo desses dois anos e meio. Seria muito mais interessante que essas manifestações tivessem ocorrido num momento anterior. Mas, infelizmente, tivemos que observar a evolução do quadro da pandemia para tomar uma decisão responsável. Observamos também o calendário de vacinação em São Paulo, e entendemos que o mês de setembro será o mais seguro (com expectativa de 100% dos adultos terem tomado ao menos a primeira dose).
Já existem manifestações de abrangência nacional ligadas à esquerda. Há alguma indisposição de vocês em fazer parte desse movimento?
Todo cidadão brasileiro a favor do impeachment é bem-vindo na manifestação. A manifestação é do Vem Pra Rua e não corrobora nenhuma candidatura política. O problema é que há alguns movimentos de esquerda voltados a defender a candidatura de Lula. Não é o nosso objetivo: não queremos trazer Lula para o cenário político. Nossa frase é o “Eles, não”. Nem Bolsonaro, nem Lula. O movimento Vem Pra Rua acaba representando também um centro, centro-direita, que não se sente representado pelas manifestações de esquerda.
É possível imaginar uma manifestação que possa englobar os mais diversos espectros políticos, e também a esquerda?
É importante que a sociedade inteira seja representada – inclusive a esquerda, a esquerda democrática. O que nós temos que repudiar é a violência. Ela acaba impactando de forma muito negativa nesses processos, porque afasta a população, que fica receosa de sair às ruas quando elas precisam ser tomadas. A gente tem que transformar a rua num cenário pacífico de manifestação para que a voz dessa população seja ouvida pelos parlamentares e que a gente consiga elevar essa nossa voz de forma conjunta, coletiva, reunindo todos esses movimentos: esquerda, centro e direita, numa voz única. É importante que essa população que hoje representa cerca de 75% dos eleitores brasileiros, estejam ali no total, mostrando, realmente, o que todos nós queremos.
Vocês também marcaram presença nas manifestações que pediram o impeachment de Dilma. Quais as diferenças?
Eu acredito que os casos, em si, são diferentes. O impeachment de Dilma foi um resultado de quase 16 anos de cleptocracia, que culminou nas pedaladas fiscais e levou à retirada da presidente do poder. Agora, os crimes são diferentes, mas são muito mais contundentes, mesmo com apenas dois anos e meio de mandato. São 33 crimes tipificados. Há uma abrangência muito maior do que no próprio pedido de impeachment de Dilma.
Está sendo mais difícil?
Acho que não. O impeachment é um processo político e, sobretudo, desgastante, tanto para a sociedade como para o Parlamento. Há uma resistência do Congresso como houve também no início do pedido de impeachment da presidente. Mas há uma evolução, inclusive, da própria população. No impeachment de Dilma, houve uma adesão da população muito forte para aquela mudança de estrutura. Agora, o caminho que nós percorremos é o mesmo: conscientizar a população de que existem crimes e que ela precisa apoiar o afastamento de um presidente que incide reiteradamente em crimes de responsabilidade. A pressão vai para os deputados. Aquela pressão deixou os parlamentares sem alternativa que não fosse pautar o pedido de impeachment.
Como consolidar um caminho para a renovação política?
A defesa da renovação tem que vir acompanhada de uma gestão responsável, de um compromisso com promessas de campanha e a realização delas. E, de fato, Bolsonaro não cumpriu as suas promessas de campanha; pelo contrário. O pedido de impeachment é constitucional. Essa ferramenta está disponível para a população e para o Parlamento.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.