• Museu Nacional: o lamento de quem ajudou a reconstruir a história

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  • 09/09/2018 08:00

    “Tragédia anunciada! O museu nunca teve verba, estava sempre no sufoco. É uma tristeza muito grande, o quinto maior museu do mundo perdido. A pesquisa vai continuar, muita coisa vai ser reclamada, mas o acervo em si, o patrimônio inimaginável que só o Brasil tinha, se perdeu!”, foi assim que o taxidermista Alexandre Rivero, funcionário do Museu Nacional do Rio de Janeiro, começou a contar um pouco do que viveu durante os quase 20 anos em que trabalhou em projetos no Museu da Quinta da Boa Vista. 

    Durante toda a semana, o incêndio que aconteceu na noite do último domingo, no Museu Nacional, foi assunto em rodas de conversa e nas redes sociais. Desolação, tristeza e inconformidade, foram alguns dos sentimentos descritos pelos tantos admiradores e muitos funcionários do Museu, em relação ao que foi perdido. Quem conheceu o acervo disse estar incrédulo com o descaso que o patrimônio histórico do país veio sendo tratado pelos governos.

    “É muito sério um país que não dá valor aos seus bens culturais. O que vai ser do país daqui para frente, um descaso muito grande com o patrimônio cultural do país. Abrindo mão de um patrimônio que nenhum outro país tem”, disse Rivero. 

    O artista contou que foi até a Quinta da Boa Vista nesta semana, para ver pessoalmente o estrago. “No acervo, tinham animais raríssimos que estão praticamente extintos. Sem falar na antropologia, etimologia, paleontologia que se perdeu quase toda. Alguma coisa vai se salvar por milagre, mas só fragmentos do que tinha. Coisas únicas! Um manto do último imperador do Havaí que foi dado a Dom João VI. Mais de 50 línguas de tribos indígenas que estão extintas, que não eram registradas em escrita, estava registrada em som, em gravação, tudo se perdeu”.



    Painéis e dioramas produzidos pelo taxidermista foram destruídos pelo fogo, e mais cerca de 600 peças restauradas por ele, também estavam no Museu. Rivero iniciou com as técnicas de restauração ainda criança e começou a trabalhar no museu em 1998. Contribuiu no projeto do Mastodonte Brasileiro, a restauração de um peixe-boi pré-histórico, além da coleção de exposição de mamíferos, aves, repteis e peixes, que teve muitas peças restauradas pelo artista. 

    Atualmente, participava de uma equipe, com mais seis especialistas, na restauração da Sala da Baleia. O espaço estava quase pronto e seria reinaugurado neste ano, após quase 20 anos fechado. 

    “A pesquisa é um novelo que o pesquisador começa ainda jovem a desenrolar. Ele pode pesquisar 40 anos e no final ver que estava errado, ai ele volta e recomeça, o avanço é muito lento. No Museu, tinham pesquisas de gerações, que um foi retomando o trabalho do outro. De pessoas que deram a vida inteira, do início da vida acadêmica até a morte, as pesquisas estão ali”, lamentou Rivero. 

    O Museu Nacional preservava um dos mais ricos acervos da América Latina em ciências naturais e antropológicas. Seus departamentos reuniam exemplares representativos da biodiversidade marinha e terrestre, fósseis, assim como objetos etnográficos e arqueológicos que compunham o acervo científico de áreas como antropologia biológica, botânica, arqueologia, zoologia, etnologia, geologia e paleontologia. 

    Em junho deste ano, completou 200 anos de existência. O Museu da Quinta da Boa Vista é a primeira instituição museológica e de pesquisa do Brasil. É o maior museu de história natural e antropológica da América Latina. Em 1946, foi incorporado à UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), na época Universidade do Brasil, é vinculado ao Ministério da Educação. O Paço de São Cristóvão, na Quinta da Boa Vista, foi a primeira residência da família real portuguesa, onde a Princesa Isabel nasceu, pertenceu à família imperial brasileira e abrigou a primeira Assembleia Constituinte da República.

    Através da sua assessoria de imprensa o museu se manifestou, em agradecimento à população do Rio de Janeiro e às pessoas de todo o mundo que, de forma carinhosa, estão enviando centenas de milhares de mensagens e apoio ao Museu Nacional. “Todo esse carinho só vem comprovar, mais uma vez, o lugar de destaque ocupado por nossa instituição junto à sociedade”, diz a nota.

    O motivo do incêndio ainda está sendo apurado pelo Corpo de Bombeiros e pela Polícia Federal em uma perícia. O Ministério da Educação anunciou a liberação de R$ 10 milhões para a adoção de medidas emergenciais para a segurança do Palácio, e de R$ 5 milhões para a elaboração do projeto executivo de recuperação do espaço.

    “Apesar da gravidade do incêndio, a esperança é enorme de encontrarmos, e recuperarmos, peças importantes para a história do Brasil e do mundo”, diz a nota da assessoria.

    A nota informou também que o prédio anexo ao museu e o Horto Botânico não foram atingidos, o que garante a preservação da coleção de invertebrados, laboratório de conservação e restauração, coleção de herbário, biblioteca central e a maior parte de coleção de vertebrados. 


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