Museu Nacional: de quem é a culpa?
As imagens do Museu Nacional (MN) em chamas completaram um mês. O lado material da destruição já foi devidamente relatado em reportagens e em levantamentos realizados pela própria instituição. Entre os 20 milhões de itens, foram perdidos objetos de valor inestimável, tais como o fóssil humano mais antigo das Américas, o Trono de Daomé, múmias e sarcófagos milenares, afrescos de Pompeia, além de fontes de importância incalculável para pesquisas nas áreas das Humanidades e das Ciências Naturais.
Contudo, existe o lado simbólico do incêndio. Extinguiu-se a mais antiga instituição científica do Brasil. Em um país onde a ciência não possui peso político e muito menos bancada no Congresso, o desaparecimento do MN não deixa de refletir a maneira pela qual a população — e não apenas a classe política — lida com a sua história e com a ciência.
A última reforma superfaturada do Maracanã é apenas um dentre inúmeros exemplos que evidenciam as nossas mais profundas contradições. O custo total das obras foi de aproximadamente 1,2 bilhão de reais. Esse valor seria suficiente para aumentar o acervo, restaurar peças, aperfeiçoar toda a estrutura do edifício e manter o Museu Nacional em atividade por mais de dois mil anos. Repito: dois mil anos. Aceitar com relativa passividade um investimento desse porte em um estádio é um indicativo claro de quais são as prioridades do país.
Ninguém ousa questionar que a cultura popular, o futebol e o carnaval são fundamentais para o lazer e a formação identitária do povo brasileiro. Mas uma nação que almeja ser grande precisa ir além, valorizando e agregando outras vertentes de manifestações culturais, tarefa que o MN realizava com muito esmero e qualidade.
Na cerimônia de 200 anos do Museu Nacional, em junho deste ano, nenhuma grande autoridade dos poderes da República esteve presente, nem mesmo o ministro da Cultura. O último presidente a visitar o MN foi Juscelino Kubitschek, em 1958. Enquanto isso, na França, o primeiro discurso do atual presidente Emmanuel Macron foi pronunciado em um palanque em frente ao Museu do Louvre. Esses dois episódios falam por si, revelando visões praticamente opostas sobre a relevância dos espaços de memória.
É por essa razão que não se pode individualizar o ocorrido naquele catastrófico domingo. Toda tentativa de atribuir a destruição do MN aos desmandos de um governo específico, à suposta má gestão de um reitor ou mesmo ao acaso, é uma atitude no mínimo ingênua que em nada colabora para entender as causas profundas do incêndio.
Fala-se em restaurar o palácio, mas a dura realidade é que o acervo é irrecuperável. Espera-se ao menos que se retire dessa tragédia alguma lição para o futuro. Que o dia 2 de setembro se torne um marco para reflexões sobre o papel da história e da cultura em nossa formação cidadã, e que se leve a sério a proteção dos bens culturais que ainda restam. Afinal, pouco adianta estar entre as dez maiores economias do mundo se as artes, a ciência e o conhecimento histórico continuam sendo privilégios disponíveis apenas a uma minoria ilustrada.