• Muralha, vá fritar um ovo

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  • 02/12/2017 11:00

    O goleiro Muralha, do Flamengo, vive um calvário público, de linchamentos implacáveis. Bom goleiro, mereceu da torcida no passado o grito de “ão-ão-ão Muralha é seleção”. Tite atendeu e ele foi para a seleção brasileira. Mas, como aconteceu com outros, o peso da camisa amarela não lhe fez bem. Começou a dar tudo errado. Muralha tem falhado, e muito, e em momentos decisivos, para piorar. É a insegurança encarnada, barbada e moicana. Projeta a grande defesa, mas o braço pesa chumbo, as mãos viram algodão e ele fracassa. Intenta a grande jogada com os pés, mas perde a bola bisonhamente e o adversário faz o gol. O rapaz esfarelou-se num poço de ansiedade a perseguir avidamente a atuação redentora, de as constelações proclamarem “goleiro genial!”, o que o faria ressurgir vitorioso e vingado das cinzas de seus frangos e fracassos. Mas não é assim que se sai do buraco.

    Quando se enfrenta uma crise dessas em que tudo parece falhar, falir, dar errado – porque há momentos assim – o negócio é buscar a simplicidade. O frugal, capaz de dar certo sem muitos sustos, e com a confiança restaurada, recomeçar. Se você quis preparar o banquete do século para a família mas o prato Masterchef que você cuidadosamente imaginou ficou mal temperado, passou do ponto e a ninguém agradou, o negócio é fritar um ovo. O ovo frito perfeito, com a gema de ouro na textura perfeita, nem pétrea nem aguada, mas sim cremosa nas bordas e líquida por dentro, reinando no centro da ilha branca da clara rija, com a cota exata de sal, é uma arte. Simples, mas arte. Então, se algo der errado na vida, frite um ovo. Vai te dar confiança.

    No trabalho, às vezes, eu tinha um texto pesado para redigir, de pesquisa processual imensa, toneladas de jurisprudência, raciocínios de física quântica e cronogramas trabalhosos. E mourejava naquilo, mas via o texto travado, a obra chocha, descendo pelo ralo. Então parava e ia atender um balcão, procurar um processo numa pilha, uma ficha num arquivo. Algo assim como fritar um ovo. A cabeça serenava, a musculatura do raciocínio se espreguiçava nos neurônios, e no retorno o trabalho rendia mais.

    Assim nos relacionamentos. O casal precisa se entender melhor, anda brigando muito, há ciúmes, coisas não ditas, raivas contidas, contas a ajustar. Mas é tanta coisa que cada começo de “DR” (discussão da relação) é um tormento, sua continuidade uma tortura e o desfecho, frustrante. A tais casais sugiro: vão à cozinha e fritem um ovo. O simples. Um acordo de boa convivência, a trégua de serem somente amigos agora. Livrar o convívio de hoje dos pesos do passado. Com afeto sincero e honestidade, aos poucos os fardos serão aliviados, um a um.

    Também os governos. Assumem governantes com planos mirabolantes, miraculosos quase, de tão impossíveis frente à realidade de cofres ocos e máquina emperrada. Se o governante é correto e honesto, deve fritar um ovo. Fazer o mais simples, que é tão necessário. Pagar salários, tapar buracos, recolher o lixo. A máquina se azeita, o grupo pega confiança, a cadeia de comando engrena. O resto depois flui naturalmente.

    Meu coração se apieda do goleiro e da sua família, a quem o massacre cruel deve ter arrancado torrentes de lágrimas. Ele precisa de apoio, de férias… e de fritar um ovo. Churchill disse: as grandes coisas são simples. Inclusive as grandes regenerações e conquistas. Gênio é quem alcança a perfeição da simplicidade. De ovo em ovo.

     denilsoncdearaujo.blogspot.com

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