• Multidões, política e legitimidade eleitoral

  • Continua após o anúncio
  • Continua após o anúncio
  • 17/12/2022 08:00
    Por Gastão Reis

    Eu já tinha conhecimento, há muito tempo, do livro intitulado “Psicologia das Multidões”, de Gustave Le Bon, um polímata francês, com várias áreas de interesse como antropologia, psicologia, sociologia, medicina e física. A primeira edição do livro data de 1895, e tinha como título “A Multidão: Um Estudo da Mente Popular”. Tornou-se um dos trabalhos seminais da psicologia das multidões. Só agora, com atraso, me detive no exame da obra. A boa notícia foi ter constatado semelhanças entre artigos que escrevi e as colocações de Le Bon. Mas também algumas diferenças no atual caso brasileiro.   

    Inicio relatando o caso verídico de um jesuíta polonês, professor no então seminário de Nova Friburgo/RJ, e que teve a oportunidade de assistir alguns comícios de Hitler. Ao fazer um histórico daqueles momentos em que ouvia Hitler e as reações da multidão, ele dizia aos seminaristas que tinha que enfiar as duas mãos nos bolsos e segurá-los pelo avesso para não levantar a mão na hora em que toda a multidão, hipnotizada, aplaudia, freneticamente, Hitler.

    Le Bom via nas multidões a explosão do lado irracional que levava, em sua visão, a uma crise generalizada da sociedade moderna. É visível, nessa caraterização, a influência dos estragos coletivos que, mais tarde, figuras como Hitler e Mussolini causaram na psique e na vida europeias. Os seres humanos seriam exageradamente influenciados pelo coletivo, estrangulando sua individualidade. Em outras palavras: faziam coisas que individualmente jamais fariam. E aqui mora o perigo.

    Várias teorias explicam o comportamento dos indivíduos quando são parte de uma multidão. A mais popular delas, até pelo próprio nome, é a Teoria do Contágio, que deixa claro a contaminação dos indivíduos pelas atitudes do grupo ampliado. Todos nós conhecemos fatos históricos em que injustiças abomináveis foram cometidas pela multidão enfurecida. Daí a importância de evitar que o comportamento irracional gere o chamado efeito manada, oriundo do sentimento de invencibilidade que toma conta da multidão.

    Antes de entrarmos nas exceções de multidões justamente indignadas, que também ocorrem, e podem colocar as coisas nos seus devidos lugares, cabem algumas palavras sobre política.

    Aristóteles, filósofo grego considerado o pai da filosofia, afirmava que a política seria a mais nobre das atividades exercidas pelo homem. Ao longo dos séculos, essa visão foi mudando até bater no oposto com Maquiavel em seu livro O Príncipe. Ele definia o mundo político de modo brutal: “A soberania se conquista através da astúcia e da traição, conserva-se através da mentira e do homicídio, e perde-se pela lealdade e pela compaixão”. 

    A visão política de Maquiavel cai como uma luva sobre o atual quadro político brasileiro. Não há o que tirar, nem pôr. Faz lembrar o que Trotsky disse a Lênin, explicando como iria criar o Exército Vermelho, utilizando os oficiais tradicionais do exército russo. Lênin revida: “Você está maluco? Todos eles são monarquistas. Como confiar neles?!” Diabolicamente, Trotsky responde: “Direi a cada um que qualquer traição será punida como a morte de toda sua família”. E assim nasceu o Exército Vermelho, que consolidou a revolução, o nascimento do totalitarismo e a morte da democracia em nome dela mesma com a conto do vigário do “todo poder aos sovietes”.

    Para Bakunin, anarquista russo, o poder é sempre exercido por uma mino-ria. E que, após a revolução, os antigos operários que agora a integram “pôr-se-ão a observar o mundo proletário de cima do Estado; não mais representarão o povo, mas a si mesmos e suas pretensões em governá-lo”. Se substituirmos, neste trecho, a palavra operários por ditadura do judiciário, a coisa toma feição muito próxima do que está acontecendo no atual momento político do País. 

    Tive a oportunidade de assistir um vídeo do ex-ministro do STF, Marco Aurélio Mello, em que ele afirma que o fato de Lula ter tido seus processos anulados não significa que tenha sido inocentado. Como ex-juiz, não aceita a frágil justificativa de incompetência territorial. E que jamais votaria em Lula em função dos crimes cometidos por ele contra a administração pública. Foi condenado em quatro processos, inclusive por um colegiado de juízes. No final, diz que o STF resolveu ressuscitar politicamente o ex-presidente Lula. Não poderia ter sido mais claro. Será que vai ser censurado?

    Os atuais ministros do STF se arvoram em defensores da democracia. Curiosamente, o atual presidente sofreu a oposição cerrada de quase toda a imprensa e jamais recorreu a instrumentos legais para dar um cala-boca em seus detratores. Não obstante, o ministro Alexandre de Moraes se acha no direito de pisar nos artigos 220 e 37 da atual constituição, atuando, respectivamente, como censor e fazendo tábula rasa de seus itens que impõem moralidade e eficiência no trato da coisa pública. 

    Por fim, a questão das multidões que vão às ruas, mencionada no início deste artigo, sem necessariamente serem tomadas por ímpetos de irracionalidade. O Brasil já fez isso, mais de uma vez, nos impeachments de Collor e Dilma. E coberto de racionalidade para impedir a continuação dos desmandos. O momento atual reflete a indignação da população, bolsonaristas e não-bolsonaristas, nos mesmos moldes da do ex-ministro Marco Aurélio Mello. Afinal, quatro das cinco grandes regiões geográficas do País deram vitória ao atual presidente. Elas compõem 75% da população total. Lula só conseguiu enganar o Nordeste.  

    O que ficou claro no vídeo do ministro Marco Aurélio Mello é que faltou legitimidade eleitoral na vitória de Lula dado que sequer poderia ter sido candidato. Como Mello, a população do País se deu conta da manipulação jurídica que permitiu sua candidatura. E simplesmente resolveu reagir. E não está disposta a ser golpeada pelo STF.  

    (*) Link para o meu vídeo “Políticos: Você no controle” no DOIS MINUTOS COM GASTÃO REIS


    Últimas