• MPF denuncia policiais rodoviários pela morte da menina Heloísa

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  • Ação pede julgamento pelo tribunal do júri por homicídio qualificado; agentes devem responder também por fraude processual e indenizar vítimas

    08/11/2023 16:19
    Por Redação/Tribuna de Petrópolis

    O Ministério Público Federal (MPF) denunciou, nessa segunda-feira (6), três policiais rodoviários federais pela morte da menina Heloisa dos Santos Silva, de 3 anos, ocorrida no Rio de Janeiro, em 16 de setembro. A morte decorreu de disparos feitos pelos agentes policiais e que atingiram a nuca da menina, que estava no carro da família com outras quatro pessoas retornando de um passeio, na região do Arco Metropolitano, em Seropédica, no dia 7 de setembro.

    O MPF pede que Fabiano Menacho Ferreira, Matheus Domicioli Soares Viégas Pinheiro e Wesley Santos da Silva respondam por homicídio qualificado, tentativa de homicídio e fraude processual. Por se tratar de crime contra a vida, o órgão defende que o caso seja julgado por júri popular.

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    A denúncia é assinada pelo procurador da República Eduardo Benones, que atua no controle externo da atividade policial no Rio de Janeiro e foi o responsável pelas investigações. A petição detalha o processo apuratório que envolveu depoimentos de familiares da vítima, de testemunhas do fato e dos acusados, além de perícias no veículo, um Peugeot 207 Passion, e nas armas dos agentes. Ao reproduzir o que aconteceu naquela noite, feriado de 7 de setembro, a denúncia descreve que, ao perceber que o carro que dirigia era seguido por uma viatura, o pai de Heloisa, Willian de Souza, resolveu parar o veículo. Ele ligou a seta e dirigiu para acostamento. No entanto, os disparos ocorreram antes mesmo que as rodas travassem, com o carro ainda em movimento.

    As armas usadas pelos policiais foram fuzis 5.56 X 45mn, considerados de grosso calibre e longo alcance. Na denúncia, o procurador lembra que essas armas foram projetadas para uso militar, por terem maior velocidade, menor recuo e, consequentemente, por aumentar a letalidade.

    “Apesar do longo alcance do fuzil utilizado e seu alto poder de fogo, o teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas prova que a distância entre atiradores na viatura policial e vítimas não era mais do que vinte metros no momento dos disparos”, afirma, frisando que, mesmo portando pistolas no momento da perseguição, os agentes optaram por usar os fuzis.

    Em outro trecho do documento, a denúncia destaca o fato de não ter havido nenhuma abordagem ao motorista do veículo pelos policiais. Testemunhas ouvidas durante a investigação afirmaram que “entre o momento em que passaram pela viatura policial e o momento dos tiros, não houve sequer um esboço de comunicação”. Para o MPF, o fato evidencia que os agentes da PRF quiseram a morte dos ocupantes do veículo ou, no mínimo, assumiram o risco de que isso acontecesse. “Na realidade, não é minimante crível que, ao cravejar com tiros de 5.56 um veículo tripulado e com carroceria comum, a poucos metros de distância, houvesse outra intenção senão a de matar”, pontua o documento.

    O MPF também chama a atenção ao fato de não ter havido nenhum disparo contra os pneus do veículo que sequer foram trocados para o deslocamento até o hospital para onde seguiu, conduzido por um dos policiais rodoviários e com o pai de Heloisa, como passageiro. “Em outras palavras, não houve a intenção de deter ou advertir”, resume a denúncia. O carro da família se deslocou até o Hospital Adão Pereira Nunes, para onde a menina foi levada e acabou morrendo depois de 9 dias em decorrência dos ferimentos.

    Para o MPF, os três agentes devem responder pelo crime conforme prevê o Código Penal (art.29), segundo o qual basta que tenha havido, com relação ao resultado típico, anterior confluência de vontades. Não é necessário que todos tenham praticado o ato. Para o MPF, não há dúvidas de que os três policiais rodoviários federais decidiram “em comunhão de desígnios e por vontade livre e desimpedida” se aproximar do carro e atirar contra o veículo onde estava a vítima. A petição destaca que, em nenhum momento da investigação, foi apontado ter havido discordância entre os agentes quanto à decisão de seguir o carro posteriormente atingido.

    A denúncia também rebate o argumento dos policiais de que a perseguição teria sido motivada pela informação de que se tratava de veículo roubado. Conforme o documento, tanto o pai de Heloisa quanto o vendedor do automóvel afirmaram desconhecer o registro de roubo, datado de agosto de 2022. Foi comprovado também que Willian Souza pagou valor de mercado pelo carro. Além disso, nos registros do Detran não havia nenhuma restrição em nome do carro. No entanto, frisa o procurador, “o fato de os ocupantes efetivos do veículo não serem os imaginados criminosos não serve de excludente de criminalidade”.

    Outro aspecto alegado pelos policiais e rechaçado na denúncia a partir dos depoimentos coletados refere-se à menção de que a viatura teria sido alvo de disparos. As informações reunidas durante a investigação revelaram que o local estava completamente ermo e que não havia “nada e nem ninguém que pudesse ser fonte de qualquer barulho”. Além disso, ficou provado que no interior do carro não havia arma e que a única reação da família foi a tentativa do pai de parar no acostamento. “Ainda que houvesse criminosos condenados no carro, isto não autorizaria que os policiais comutassem a sentença condenatória para pena de morte e ali mesmo se convertessem em Tribunal e executores”, reitera trecho da denúncia.

    Pedido

    Ao pontuar que foi comprovada a materialidade delitiva e a existência de indícios de autoria, o MPF requer o recebimento da denúncia para que os três agentes respondam por homicídio qualificado, tentativa de homicídio e fraude processual. Somadas as penas máximas para os crimes chegam a 58 anos de prisão. Também pede que os três sejam obrigados a pagar indenização de R$ 1,3 milhão à família da menina Heloisa (pai, mãe e irmã). Além disso, foi reiterado o pedido para decretação de prisão preventiva dos três policiais como forma de assegurar o andamento da instrução da ação penal. Neste caso, é destacado o fato de que as vítimas, que sobreviveram aos disparos, serão ouvidas nesta etapa da instrução processual. Para o MPF, em que pese as medidas cautelares diversas decretadas pela Justiça, há perigo concreto em se manter a liberdade dos acusados.

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