Em parecer enviado à Justiça Federal de São Paulo, o Ministério Público Federal (MPF) defendeu que o Conselho Federal de Medicina (CFM) seja obrigado a suspender imediatamente a diretriz que dá autonomia aos médicos para prescreverem cloroquina e hidroxicloroquina a pacientes diagnosticados com covid-19.
A manifestação foi enviada no âmbito do processo movido pela Defensoria Pública da União (DPU) para responsabilizar a entidade pelas mortes da pandemia. O órgão busca o pagamento de uma indenização de R$ 60 milhões a titulo de danos morais coletivos pela falta de uma recomendação clara do CFM contra o chamado ‘kit-covid’.
O MPF diz que o Conselho Federal de Medicina contraria orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS), da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) e da Coordenação de Incorporação de Tecnologias do Ministério da Saúde.
“Órgãos públicos que exercem funções que pressupõem determinada expertise devem produzir informações tecnicamente qualificadas para fundamentar suas decisões”, argumenta.
O documento contestado foi editado em abril de 2020, no início da pandemia, e desenha um quadro de indefinição científica. A posição é a de que não há consenso sobre o uso dos medicamentos no ‘tratamento precoce’ contra a covid-19. No entanto, na avaliação do Ministério Público, a esta altura o posicionamento da entidade está ‘desatualizado’.
“Até a presente data o CFM sustenta a legitimidade de um parecer que se apoiou numa recomendação de uso favorável ao uso da cloroquina e da hidroxicloroquina feito pela IDSA em abril de 2020. Ocorre que desde agosto de 2020 a IDSA se manifesta contra o uso da cloroquina e hidroxicloroquina. Apesar disso não se tem notícia que o CFM tenha reavaliado o fundamento de seu parecer”, diz outro trecho da manifestação ministerial.
O Ministério Público também argumenta que, apesar de enfatizar a incerteza quanto aos possíveis benefícios do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento do novo coronavírus, o Conselho Federal de Medicina não dá o mesmo destaque aos eventuais danos que os medicamentos podem causar na saúde dos pacientes.
“É como dizer que o uso de tais drogas é incerto mas que o resultado de seu uso só pode neutro ou benéfico, nunca maléfico. Além de ilógico esse ponto de vista ignora conclusões da OMS que não excluiu o potencial de um pequeno aumento do risco de morte e ventilação mecânica com hidroxicloroquina além de hipovolemia, hipotensão e lesão renal aguda”, escreve o procurador da República Luiz Costa, autor da manifestação.
A conclusão do MPF é que, ao manter aberta a possibilidade de administração de remédios ineficazes no combate à covid-19, o Conselho Federal de Medicina dá ‘suporte normativo a situações de exposição a risco à vida e à saúde das pessoas’.
Além de pedir a suspensão da diretriz, o Ministério Público defende que o seja obrigado a deliberar sobre a possibilidade de infração ética dos médicos que vierem a prescrever cloroquina e hidroxicloroquina para a prevenção e o tratamento da covid-19.
COM A PALAVRA, O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA
A reportagem entrou em contato com a entidade e, até a publicação deste texto, ainda aguardava resposta. O espaço está aberto para manifestação.
No processo, o conselho diz que ‘veda o uso indiscriminado de cloroquina e hidroxicloroquina na forma inalável, limitando seu uso ao protocolo oficial de pesquisas e a provocação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para determinar a obrigatoriedade de receita médica para a compra’ dos medicamentos.
Em sua defesa prévia, a associação também afirma que a pandemia trouxe um cenário ‘inédito’, ‘não existindo tratamento ou medicamento com comprovação científica inconteste, em especial quanto a prevenção e ao tratamento da doença na fase inicial’. O CFM reitera o posicionamento de que há ‘controvérsia’ na comunidade científica sobre o uso de cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento da doença.
O Conselho Federal de Medicina ainda admite que, conforme suas diretrizes, o uso do kit-covid ‘pode ser considerado pelo profissional médico’ e que a prescrição ‘se enquadra na situação regular de uso off-label de medicamentos’.
“O parecer impugnado da ação está fundamentado na autonomia do médico e do paciente na utilização de medicamentos e procedimentos, sempre sob o manto do consentimento livre e esclarecido”, afirma.