• MP precisa se reestruturar para realizar controle sobre as polícias, diz procurador

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  • 29/04/2022 19:06
    Por Roberta Jansen / Estadão

    Coordenador do Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial no Ministério Público Federal do Rio, o procurador da República Eduardo Benones disse que a fiscalização do trabalho das polícias por parte da instituição deveria ser mais operacional, mais efetiva, “à altura da atribuição que a Constituição nos deu”.

    O comentário veio em resposta às críticas da Anistia Internacional no documentário “Descontrole: o Ministério Público no centro das atenções”, lançado na noite da última quarta-feira, 27. O filme acusa o MP de omissão diante de graves violações de direitos humanos que seriam perpetradas pelas polícias em comunidades carentes.

    Dados da Rede de Observatórios de Segurança mostram que um jovem negro é morto a cada quatro horas pela polícia em pelo menos seis Estados brasileiros. Pela Constituição de 1988, é atribuição do Ministério Público (federal e estadual) o controle externo das atividades policiais.

    A Procuradoria Geral da República (PGR) não quis se pronunciar institucionalmente sobre as críticas, afirmando que “só responde sobre casos específicos”. O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), principal alvo das críticas da Anistia, disse que não faria comentários, porque desconhecia o conteúdo do documentário.

    O procurador da República Eduardo Benones, no entanto, concordou em falar ao Estadão, como coordenador do Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial do MPF no Rio.

    Como o senhor recebe as críticas da Anistia Internacional?

    O trabalho do MP é complexo porque envolve instituições que deveriam funcionar como uma federação em dois níveis, estadual e federal. Entretanto, como procurador da República e coordenador do Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial, eu diria que, do ponto de vista dos fatos, não há como discordar da Anistia, o controle poderia ser muito mais efetivo. Posso até discordar da maneira como o tema é abordado, das palavras usadas, mas a verdade é que o controle poderia ser mais operacional, à altura da atribuição que nos foi conferida pela Constituição. O que a gente precisa discutir, até mesmo em um debate público, junto com a Anistia, são as razões disso.

    E quais seriam as razões, em sua análise?

    Como coordenador do Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial há seis anos, eu posso dizer, sem nenhum medo de errar, que existem dificuldades de ordem operacional que impedem a concretização do discurso legal. Há dificuldades inerentes a quem tenta exercer o controle sobre outra instituição, porque a polícia resiste a esse controle – o que é normal. Se fiscalizar qualquer instituição é difícil, imagina fiscalizar a instituição responsável por investigar, que é a polícia. Isso, por si só, é um desafio. No dia a dia, precisamos trabalhar junto com a polícia, o inquérito policial nos serve de subsídio, e há dificuldades. Há dificuldades na própria dinâmica da investigação. Por exemplo, muitas vezes precisamos recorrer ao Judiciário para obter as mesmas provas e vamos ter as mesmas dificuldades, vamos ter que passar pelos mesmos trâmites judiciais. O controle externo não é tratado de forma específica pelo Judiciário, não há uma vara especializada, um juiz designado.

    O senhor poderia nos dar outro exemplo?

    Outra dificuldade prática ficou muito clara durante a pandemia (quando por decisão do STF operações policiais em comunidades só poderiam acontecer em caráter excepcional e com a comunicação prévia ao MP). Como isso acontecia? Te mandavam um e-mail às 22h40 comunicando sobre uma operação no dia seguinte, às 5h da manhã. O que eu posso fazer neste intervalo de tempo? Não ficou claro na decisão do STF qual seria exatamente o papel do MP. Outro problema é que o MP tem uma divisão quase geométrica (o MPF faz o controle externo da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, enquanto o MP estadual faz o controle externo da Polícia Civil e da Polícia Militar do estado), mas as polícias não atuam assim. As grandes operações, as operações mais complexas, são feitas de forma integrada entre as diferentes polícias. É preciso estabelecer quem está no comando da operação e quem está no apoio, o que nem sempre é simples. No caso da intervenção militar no Rio, por exemplo, eu argumentei que os militares estavam atuando como policiais no apoio às operações em comunidades, mas decidiu-se que, não, que a competência era militar, e não conseguimos investigar.

    Mas o senhor acha que a instituição, de forma geral, está imbuída da importância desse papel?

    Acho que falta um olhar diferenciado, falta entender que é uma atribuição conferida aos MPs e que a gente precisa começar a se reestruturar para fazer esse controle. Falta estrutura e falta unidade na atuação. A PGR deu um sinal de que isso aconteceria quando criou a 7ª Câmara, exclusivamente para esse controle. Foi um grande passo, um grande reconhecimento, um indício de que há uma mudança de olhar. Mas ainda há muita coisa a ser feita, muitos fatores que não facilitam a nossa atuação.

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