• Motocicletas irregulares: (in)segurança pública e poluição sonora

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  • 08/09/2023 08:00
    Por Juliana Ziehe

    Um tema que há muito tempo é objeto de reclamação por parte dos moradores de Petrópolis é a falta de fiscalização e apreensão de motocicletas irregulares. E não é desarrazoada essa insatisfação. Muito pelo contrário. Não restam dúvidas de que o controle desse tipo de irregularidade está diretamente relacionado à segurança pública do Município. Aliás, diversos criminosos se utilizam de motocicletas irregulares como meio de transporte para a prática de delitos, tais como roubo a transeunte, roubo a estabelecimento comercial, tráfico de drogas, homicídio, etc. A opção por esse tipo de veículo está ligada à facilidade de fuga, que acaba encontrando campo fértil na omissão do Estado quando da atividade fiscalizatória e preventiva.

    Recentemente, além das inúmeras infrações administrativas previstas no Código de Trânsito Brasileiro, que visam coibir o trânsito de veículos irregulares, a lei 14.562/23 alterou o art. 311 do Código Penal, criminalizando a conduta de conduzir veículo sem placa, isto é, punindo aquele condutor que dolosamente – por ação voluntária – retirou a placa de identificação do veículo. Além do mais, o ordenamento jurídico enrijeceu a pena aplicada a esse tipo de crime, atribuindo-lhe uma pena de reclusão de 3 a 6 anos, não sendo possível ao Delegado de Polícia arbitrar fiança quando da lavratura do Auto de prisão em Flagrante em sede policial.

    Outro ponto digno de nota é o assombroso número de motocicletas que circulam na cidade de Petrópolis com escapamento aberto ou irregular, com a emissão de ruídos excessivos, causando incômodo aos moradores do Município. Mais uma vez, a falta de fiscalização e repressão a esse tipo de conduta fragiliza a ordem urbana, a qualidade de vida e tranquilidade alheia, em especial de idosos, bebês, autistas, dentre outros grupos que sofrem demasiadamente com o ruído ambiental, inclusive, animais. O excesso de poluição sonora no trânsito, também relacionado ao ruído estridente do escape de motocicletas, gera danos ambientais e à saúde humana, a depender da altura (aferida em decibéis) e ao tempo de exposição ao ruído.

    Aliás, no plano administrativo, o art. 230, XI do Código de Trânsito Brasileiro estabelece que conduzir veículo com descarga livre ou silenciador de motor de explosão defeituoso, deficiente ou inoperante constitui infração grave, cuja penalidade é multa, cabendo ainda a apreensão do veículo para regularização. Esse tipo de infração se configura pela alteração que os motociclistas fazem no próprio escapamento, como é o caso da retirada ou perfuração do silenciador.

    Já no âmbito criminal, existem dois enquadramentos possíveis. O primeiro está previsto no art. 42, II da lei 3688/41, que prevê a contravenção penal de perturbação do sossego alheio por meio de abuso de instrumentos sonoros ou sinais acústicos. Nesse caso, se o agente de segurança constatar a adulteração da motocicleta, com a colocação irregular ou supressão de canos que provocam um barulho estrondoso, como é o caso de equipamentos conhecidos como “descarga livre” ou “cano torbal” estará caracterizada a contravenção em tela. O autor do fato será conduzido até uma Delegacia de Polícia Civil para a lavratura de termo circunstanciado.

    Todavia, no caso da emissão do ruído afetar a saúde humana ou animal, estará caracterizado o crime de poluição sonora, com previsão no art. 54 da lei 9.605/98, cuja pena é de 1 a 4 anos de reclusão. Nessa hipótese, admite-se, inclusive, a prisão em flagrante do condutor. Especialistas alertam que a poluição sonora causa danos irreparáveis a saúde, como problemas auditivos, de depressão, estresse, aceleração dos batimentos cardíacos, elevação da pressão, perda de sono, redução da capacidade de memorização, além de afetar desfavoravelmente o meio ambiente se não for cessada sua continuidade.

    Uma cartilha disponibilizada na internet pelo Ministério Público, intitulada “Ruído Ambiental: Guia de Atuação Ministerial no Enfrentamento à Poluição Sonora” esclarece que tanto a poluição sonora quanto a perturbação do sossego são infrações penais em abstrato, ou seja, existem com a mera possibilidade de causar dano a saúde ou perturbar o sossego alheio, já estando consumada com a mera prática da conduta pelo motociclista. Em outras palavras, essas infrações dispensam a comprovação de ter sido o bem jurídico tutelado (saúde e tranquilidade) colocado em perigo, que já é extraído da própria conduta criminal do autor. De toda forma, de acordo com as orientações da cartilha, não é imprescindível a realização de perícia para configurar os delitos em tela, embora a prova técnica – laudo pericial com aferição do ruído através de decibilímetro – seja importantíssima. No entanto, na impossibilidade de realização de perícia, admite-se a prova testemunhal, depoimento da vítima, do agente de segurança pública e gravações contendo vídeo/áudio do evento poluidor. 

    No entanto, a despeito de toda legislação vigente, a pergunta que se coloca é: Por que ainda transitam em Petrópolis tantas motocicletas irregulares, em verdadeira afronta ao ordenamento jurídico?

    Em conversa com alguns servidores que atuam na segurança pública do Município, estes apontaram quatro fatores que contribuem para a manutenção desse “estado de desordem”, senão vejamos:

    1º) A existência de uma legislação que divide a competência fiscalizatória entre órgãos do Estado e órgãos do Município. Na prática, isso quer dizer que nem sempre a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) possui atribuição para autuar o motociclista irregular. Tudo vai depender do tipo de infração administrativa que ele está cometendo no caso concreto. Por esse motivo, de acordo com esses servidores, o ideal seria as operações de trânsito acontecerem de forma conjunta, entre PMERJ, Guarda Municipal e CPTRANS, por exemplo. Entretanto, quanto maior a operação, com a intervenção de diferentes atores, maiores são os obstáculos práticos e burocráticos para que ela aconteça no dia a dia.

    2º) Por mais absurdo que pareça, o município de Petrópolis não possui reboque para transportar as motocicletas apreendidas até o depósito de veículos situado no bairro do Morin. Nesse caso, as forças de segurança acabam dependendo da disponibilidade de uma carreta da Polícia Militar, o que está bem longe de ser o ideal.

    3º) A Perícia de Petrópolis, que integra os quadros da Polícia Civil, não possui decibilímetro para a confecção de laudos acerca do ruído emitido pela motocicleta com escapamento irregular, dependendo do empréstimo do aparelho por outro órgão.

    4º) Por fim, o quadro deficitário de servidores integrantes das forças de segurança pública para a realização de operações contínuas. E, nesse ponto, a reclamação é unânime: faltam servidores tanto na Guarda Municipal, quanto na Polícia Civil ou Polícia Militar.

    Enfim, diante de todo exposto, mesmo que existam dificuldades práticas para a realização de operações com a finalidade de coibir o trânsito de veículos irregulares, em especial das motocicletas, estas intervenções devem acontecer de forma contínua em Petrópolis. Impõe-se a necessidade de se superar obstáculos para a garantia eficiente da segurança pública, sob risco de assombroso retrocesso. O poder público, através de seus gestores, também deve ser demandado para suprir as lamentáveis omissões, que vão desde a aquisição de reboques, decibilímetros, até a contratação de servidores.

    Todavia, o cidadão também pode fazer sua parte. Há, inclusive, uma campanha realizada pelo Conselho Comunitário de Segurança que incentiva que os estabelecimentos comerciais não contratem condutores de motocicletas que estejam em desacordo com a legislação vigente. E que, da mesma forma, consumidores não comprem de estabelecimentos que utilizem motocicletas sem placa ou com escapamento irregular.

    Por fim, além das medidas sugeridas, também é importante trazer para o debate outro ator fundamental: o Ministério Público Estadual, “entidade responsável pela defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Ao Ministério Público cabe a autuação extrajudicial e judicial no enfrentamento da poluição sonora e seus desmembramentos. No âmbito extrajudicial, cabe ao órgão ministerial a instauração dos procedimentos previstos na Resolução 174/2017, do CNMP” (cartilha MPPA, online).

    Fato é que, apenas com a união de esforços, pode-se garantir o enfrentamento aos fatores que geram a violência e a criminalidade, no caso, a responsabilização civil, administrativa e criminal dos condutores de veículos irregulares que transitam na cidade de Petrópolis.

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