• Morosidade na reforma do Palácio de Cristal, deixa patrimônio fora do Circuito Turístico do Centro

  • Continua após o anúncio
  • Continua após o anúncio
  • 12/12/2021 15:13
    Por Luana Motta*

    Nesses dois anos de fechamento do Palácio de Cristal para obras de reforma, dois pontos são levantados: a falta que o espaço faz para o uso público e Circuito Turístico do Centro, e o valor histórico e cultural que representa para Petrópolis. As descobertas arqueológicas são de extrema importância para a história do palácio, mas, por outro lado, a demora burocrática no andamento do projeto demonstra a falta de planejamento e cuidado do poder público com o patrimônio da cidade. 

    A reforma do Palácio começou em 2019, mas em fevereiro do ano passado foi embargada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), porque a Prefeitura não apresentou o Projeto de Monitoramento Arqueológico. Estudo necessário para que fossem feitas as escavações na área externa do Palácio. Na época, o Iphan apontou que poderiam existir materiais com potencial histórico, nos jardins.

    A Prefeitura levou um ano para apresentar o projeto ao órgão federal, alegando dificuldade em contratar uma equipe de arqueologia. Nesse meio tempo, a empresa que venceu a licitação para executar a obra, Ponta do Céu Urbanização Construções e Paisagismo, abandonou o trabalho em junho de 2020. Segundo a Prefeitura, a empresa disse enfrentar dificuldade financeira por causa da pandemia de covid-19.

    A empresa que ficou em segundo lugar no pregão, Engeprat, assumiu a obra somente em março de 2021. Em maio, quando as intervenções foram retomadas e as primeiras peças foram encontradas sob o jardim do palácio, a previsão da Prefeitura era que o espaço fosse entregue a tempo da realização do Natal Imperial 2021. Mas a obra ainda está longe de ser concluída. O espaço recebia a Casa do Papai Noel e era o principal local para visitação durante o dia no evento. Por causa do fechamento, o atrativo foi transferido para a Casa dos Conselhos, na Av. Koeler.   

    O arquiteto Mario Lordeiro, aponta a pandemia como um dos fatores que influenciou na morosidade do andamento de obras públicas, por causa das restrições de enfrentamento à covid-19. Mas por outro lado, obras particulares dispararam em toda a cidade durante o mesmo período. “Se estiverem previstas escavações em áreas tombadas, precisa ter o projeto arqueológico”, enfatiza Mario, indicando que a legislação prevê esse quesito. A previsão inicial era de que os trabalhos fossem concluídos em 180 dias. 

    “As descobertas arqueológicas são importantes, a história viva tem que ser escrita. Naquele espaço há a história da colônia de negros, quilombos, e a chegada dos colonos germânicos, o primeiro grupo que trouxe suas famílias”, disse o arquiteto. Para Mario, as intervenções em bens históricos são muitas vezes necessárias para adaptações como acessibilidade, mas que o trabalho de tombamento é um “trabalho de conscientização” do uso dos espaços.

    Nesta etapa da obra iniciada em dezembro, está sendo feita a instalação da rede subterrânea de cabos e de tubulações, as intervenções estão sendo feitas nas áreas onde o trabalho de arqueologia já foi concluído. Segundo a Prefeitura, foi feita até agora a reforma dos banheiros e a instalação de um novo piso na entrada, substituindo o saibro. E ainda estão previstas melhorias no Palácio, após a conclusão na área externa. 

    Escavações revelam base de um cruzeiro no jardim do Palácio

    Há dez dias, foi anunciada mais uma descoberta: a base de um cruzeiro, que pode ter sido instalado antes mesmo da construção do Palácio. A equipe de arqueologia acredita que a cruz era um ponto de adoração de fiéis católicos que vieram para a cidade a partir da colonização alemã. Há registros do cruzeiro em fotos e gravuras do passado. 

    Escavações na entrada do Palácio revelam a base de um cruzeiro. (Foto: Divulgação/PMP)

    “Esse cruzeiro ficava na frente do palácio, pelo que mostram as fotos do início do século passado. Aproximadamente, a cinco metros de distância. Reproduzimos a mesma foto, que foi tirada a partir do que hoje é a entrada do espaço, e conseguimos, com um trabalho de sobreposição de imagem e mapeamento a laser, identificar o provável ponto onde ele ficava”, revela Giovani Scaramella, diretor da empresa Grifo Arqueologia.

    Segundo os arqueólogos, uma gravura feita pelo artista Otto Reimarus, em 1854, a partir do palácio, em direção à rua Alfredo Pachá (onde se dá o acesso atual ao ponto turístico), confirma a outra hipótese sobre a existência do cruzeiro, antes mesmo da existência do Palácio de Cristal.

     “Na análise é possível perceber que há uma espécie de oratório. Em volta, uma cerca. E, à frente, a imagem de uma pessoa com os braços erguidos. Nas nossas pesquisas, especialmente voltadas para os hábitos religiosos do povo alemão, que migrou para a cidade neste período, chegamos às Flurkreuz (cruz de piso, no alemão). Elas eram comumente instaladas em países da Europa como a Alemanha, em caminhos de peregrinação de fiéis católicos. Antes do Palácio de Cristal já existia o uso social desse espaço. A Praça da Confluência, que ficava no lugar onde se encontravam os rios Quitandinha e Piabanha, surgiu em 1846 e a primeira notícia de uma atividade oficial na praça foi uma missa em homenagem à vinda dos colonos alemães. Em 1846, pelas pesquisas de historiadores locais, identificamos a possibilidade de existência de três cruzes como esta. A segunda, próxima à catedral São Pedro de Alcântara e uma terceira, cuja localização não foi identificada”, contextualiza a historiadora e educadora patrimonial da Grifo, Roselene Martins. A historiadora lembra que só a partir de 1870 o espaço começou a receber as primeiras exposições de hortaliças, como frutas, legumes, plantas e flores. “Era como se fosse uma feira de elite”, ressalta. 

    De acordo com a Prefeitura, a primeira etapa do trabalho concluiu o peneiramento de 324 metros de trincheiras que compõem o jardim, os arqueólogos passaram a buscar evidências da base do cruzeiro original, identificada nas fotos do século XX.  “Foi traçada a demarcação para a nova trincheira. Esta com um metro de largura, um metro e meio de profundidade e 25 metros de comprimento. É um trabalho mais minucioso, para buscar a história em camadas anteriores à construção e utilização desse espaço nos séculos passados”, revelou o diretor da empresa de arqueologia que informa que já é possível identificar vestígios de uma pavimentação anterior ao palácio. “Há pedras que são diferentes do padrão que encontramos nas outras escavações que podem ter sido parte do que era o caminho de acesso ao cruzeiro”.

    Segundo os técnicos, a chuva dos últimos dois meses dificultou os trabalhos. “Tanto o mês de outubro, quanto o início de novembro, dificultaram o trabalho porque trouxeram dias muito chuvosos. Mas, já conseguimos dar andamento às escavações no ponto demarcado onde estaria o cruzeiro. Encontramos uma espécie de sapata, uma estrutura de sustentação. Além disso, até agora, identificamos nove diferentes camadas de sedimentação de aterros no espaço. O próprio palácio foi construído em cima de um aterro de 40cm, elevado ainda por uma base de também 40cm. O que mostra que havia uma preocupação com as inundações que a praça da Confluência sofria no passado”, informa o mestre em arqueologia Kedma Gomes, que veio de Lisboa e coordena desde maio os trabalhos no Palácio de Cristal.

    Até agora foram encontradas mais de duas mil peças, entre pedaços de louças inglesas usadas pela elite do século XIX e de stoneware. Algumas já estão expostas na entrada do ponto turístico. A maior parte, no entanto, foi encaminhada para análise em laboratório no sul Fluminense.

    *com informações da Prefeitura.

    Últimas