• Moradores de rua: o desafio da reinserção familiar e ocupacional

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  • 25/03/2019 18:11

    Com uma população de rua de cerca de 150 moradores, Petrópolis vive o desafio de tentar reinserir essas pessoas tanto no núcleo familiar quanto no profissional. Para especialistas, o vício no álcool e outras drogas é um dos fatores que mais dificultam o processo. Além disso, muitos deles manifestam o desejo de continuar vivendo nas ruas, mesmo enfrentando a fome, o frio, a marginalização e o preconceito.

    "Eles dizem que se sentem mais livres, não precisam cumprir regras. Mesmo passando por todas as dificuldades, muitos, eu diria que a maioria, se sentem melhores e preferem ficar nas ruas", disse a psicóloga e coordenadora do Centro de Atenção Psicossocial em Álcool e Drogas (CAPs-AD III), Leandra Iglesias. De acordo com dados da prefeitura, 90% dessa população é formada por homens na faixa etária de 30 a 50 anos. Grande parte é de usuários de álcool e drogas, além de apresentar também problemas psiquiátricos.

    A psicóloga coordenadora do CAPs-Ad, Leandra Iglesias, fala sobre os principais obstáculos à reinserção de moradores de rua. Foto: Bruno Avellar

    Para a psicóloga, a Rede de Atenção Psicossocial ainda não consegue atuar de forma efetiva para garantir a reinserção daqueles que desejam sair das ruas. "A rede está se estruturando, mas ainda está engessada e há burocracia. Mas as equipes que trabalham diretamente com essa população é empenhada e faz um belo trabalho", ressaltou Leandra.

    Além do Núcleo de Integração Social (NIS – o Abrigão), a rede de atendimento à população de rua conta também com o Centro Pop e o Consultório na Rua, além do Centro de Atenção Psicossocial em Álcool e Drogas. Nestes equipamentos, eles têm acesso a consultas médicas, a alimentação, assistência psicológica e social, e acolhimento. 

    Segundo a psicóloga, são inúmeros os fatores que levam uma pessoa a viver nas ruas: decepções amorosas, transtornos mentais, conflitos no trabalho, o vício em álcool e outras drogas, entre outros. "Depois que vão para a rua, é imensa a dificuldade de reinserção. Já foram tantos episódios de conflitos com as famílias, que promover o reencontro e colocá-los novamente dentro do núcleo familiar nem sempre é bem sucedido. A questão do vício, principalmente do álcool, também é um fator que complica. Qualquer frustração ou decepção pode levar essa pessoa, que está em tratamento, a voltar para as drogas e, consequentemente, para a rua", comentou Leandra.

    A psicóloga cita um paciente, de 33 anos, que está sendo atendido no CAPs-AD III. Há três meses ele está morando nas ruas, depois de vários conflitos com a família por causa da dependência química. "A família é estruturada e com boas condições financeiras, mas a reinserção neste momento está impossível devido aos inúmeros conflitos. É um rapaz jovem que estudou em bons colégios, morou em um boa casa, mas agora está na rua. Lembro que ele chegou no CAPs com duas malas: uma pequena com roupas e outra com o material de trabalho dele (itens para lavar os carros nas ruas). Ele está sendo acolhido e recebendo todo o atendimento necessário para vencer a dependência, mas a reinserção ainda é um pouco delicado", ressaltou.

    Leandra lembra de um caso de um ex-morador de rua, que há oito meses morreu dentro do banheiro do Terminal do Centro. Ele chegou a ficar internado para tratar da dependência química, mas, depois do tratamento, teve um episódio de conflito familiar que o levou a recorrer às drogas e ao álcool para "vencer a frustração". "Na primeira frustração e desafeto, as drogas foram o refúgio, com isso ele acabou adoecendo e falecendo nas ruas", lamentou a psicóloga.

    Leandra conta que o ex-morador chegou a ser casado com uma manicure, que se apaixonou por ele quando ainda vivia nas ruas. Ela o levou para sua casa e tiveram um filho, hoje com quatro anos. No entanto, a dependência e os problemas com a família dele fizeram com que retornasse às ruas e ao vício. 

    Mesmo com todas as dificuldades, casos positivos de reinserção dão ânimo a quem trabalha diretamente com essa população. É o caso de uma ex-moradora de rua e dependente química, que atualmente está fora das ruas e livre do vício. Por oito anos, ela foi alcoólatra e viveu nas vielas do centro da cidade. "Na rua é difícil conseguir um prato de comida, mas se você contar uma história triste, você consegue convencer alguém a te dar dinheiro, que você acaba usando para beber", contou a mulher, que atualmente está de volta ao núcleo familiar.

    Capacitação da Guarda Civil Municipal para a abordagem à população de rua

    Além dos equipamentos da Rede de Atenção Psicossocial, a Guarda Civil Municipal também lida diretamente com a população de rua. Além de participarem das ações de acolhimento realizadas pela Secretaria de Assistência Social, os guardas realizam abordagens quando recebem denúncias referentes a estes moradores. Para "humanizar" esse trabalho realizado pelos agentes, a prefeitura iniciou este mês um curso de capacitação.  

    "A iniciativa partiu do próprio comandante da guarda, depois de um encontro promovido pela prefeitura, onde alguns moradores de rua participaram. A guarda tinha uma visão mais dura dessa população, para eles eram apenas pedintes, marginais. Esse encontro serviu para que eles os enxergassem de outra forma", contou a psicóloga e coordenadora do Centro de Atenção Psicossocial em Álcool e Drogas (CAPs-AD III), Leandra Iglesias, que está promovendo o curso.

    A capacitação terá duração de quatro meses e a previsão é de que, até o fim de junho, todos os guardas concluam as aulas. "É preciso refletir sobre como abordar, como encarar essa pessoa. Muitas passam por histórias de sofrimento e abandono. Em geral, têm problemas com álcool e drogas, mas são seres humanos. É preciso ter um olhar humanizado e ético para essas pessoas”, afirmou a psicóloga.

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