• Modernidade liquida

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  • 16/01/2017 12:00

    Às vezes, inutilmente, tentamos não acreditar no que a realidade expõe. Há uma resistência para assimilar, como verdadeiros, os fatos que testemunhamos. Mas o “que não é o que não pode ser que não é” já cantara os Titãs.

    É difícil encontrar um jovem que não tenha construído sonhos com os fios da utopia. No meu caso, não foi diferente, atravessei um período marcado pela Guerra Fria, lendo livros como “O Profeta”, “A Voz do Mestre” de Kalil Gibran; “Sidarta” de Hermann Hesse; “O Pequeno Príncipe” de Saint-Exupéry; Fernão Capelo Gaivota, “Ilusões” de Richard Bach. Era preciso ouvir as notícias da guerra do Vietnã, sem perder a ternura e continuar proclamando “paz e amor”, mesmo depois de ver “Apocalipse Now”. 

    A corrida espacial era algo absurdo para quem conhecia de perto a fome no sertão. Quem chegaria primeiro à Lua? Pouco importava. Havia um espaço mais importante a ser conquistado no estômago de tantas crianças africanas e asiáticas. Pela minha formação cristã, membro de grupo jovem, acreditava em uma sociedade mais humana, diferente da imaginada em “Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley.

    Feira da Providência, Campanha da Fraternidade, participação em missa de jovem, visita a orfanatos, as leituras, contribuíram para manter a esperança em mudança social, na qual, o homem não seria o lobo do homem. Mas a realidade mostrava um momento político diferente: a liberdade era cerceada; a arte, censurada. Foi difícil ver “Laranja Mecânica” sem cortes. A peça de Vianninha, “Rasga Coração”, mexeu com a cabeça de muitos estudantes. 

    As ficções científicas também apontavam com um futuro sem a presença do humano: “Metrópoles”; “1984”; “2001, Uma Odisseia no Espaço”; “Blade Runner, o Caçador de Androides”.  “Tempos Modernos”, de Charles Chaplin, mostrou o homem preso a uma engrenagem, apertando parafuso em linha de montagem.

    “O Deserto é Fértil”, de Dom Hélder Câmara, era uma gota de esperança, na época em que muitos achavam que a única saída era o aeroporto. A distopia encontrou espaço. Alguns jovens não aguentaram a barra, partiram por conta própria… 

    As drogas, a pílula anticoncepcional, a falta de liberdade, o niilismo nietzschiano, as crises existenciais, em suma, a vida punk proporcionou uma instabilidade emocional. Muitos preferiram viver na metamorfose ambulante, a sociedade já se encontrava liquidificada.

    O trabalho dos poetas independentes foi chamado de Poesia Marginal. A música se fortaleceu com os festivais. Muitos, “sem lenço e sem documento”, marcharam não só contra o vento, mas contra todas as formas de opressão. “Johnny vai à Guerra”, sem membros, só com coração e mente. Nesse caos, encontrei os textos de Zygmunt Bauman ao lado dos conceitos de pós-moderno. Nome este, acredito, usado por não ter outro mais específico.

    Não só detonaram a bomba atômica, mas também as relações humanas. O capital globalizou-se, o mundo passou a ser uma aldeia de tribos em guerra. Porém a maior delas é esta que travamos dentro de nós, em busca de referências, mesmo por alguns instantes. 

    Hoje tudo é relativo. É preciso consumir o descartável. Cada ser com seu código de barras e etiqueta com data de validade para entrar no mercado consumidor.

    Em 09/01, quando li a notícia da morte de Zygmunt Bauman, autor de “Modernidade Líquida”, passou esse confuso filme na minha cabeça. A metáfora da “liquidez” na concepção do pós-modernismo já se consolidou, por falta de laços concretos. A nova ordem está na liquidação. “Mas que seja infinita enquanto dure”.

    Visite o Museu do Amanhã.

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