• ‘Modelo peronista se esgotou’, diz historiador argentino

  • Continua após o anúncio
  • Continua após o anúncio
  • 25/08/2022 08:19
    Por Luiz Raatz, enviado especial / Estadão

    O historiador e jornalista argentino Carlos Pagni, comentarista político do diário La Nación e do Canal 13, é um crítico do peronismo e do modelo implementado por Néstor Kirchner (2003-2007), morto em 2010, e pela mulher dele Cristina (2007-2015), concentrado na ampliação de subsídios e de programas sociais sem lastro orçamentário.

    Pagni vê na tentativa de recriar os tempos de bonança vividos durante o governo do caudilho Juan Domingo Perón (1946-1955), no pós-guerra, parte da explicação para as crises inflacionárias cíclicas da Argentina e para a perda de relevância econômica do país na América Latina.

    Nesta entrevista, que faz parte de uma série de reportagens especiais lançada pelo Estadão sobre a ascensão da esquerda na região, feita num café no bairro de Retiro, Pagni também analisa a provável derrota dos peronistas nas eleições de 2023. “O modelo peronista se esgotou”, afirma.

    Qual o papel do peronismo nas crises cíclicas vividas pela Argentina?

    Simplificando, eu citaria a obra de Tulio Halperin, um grande historiador argentino. A tese dele é que, nos anos 1940, Perón produziu uma espécie de revolução social, beneficiado pelas condições excepcionais do pós-guerra, quando a Argentina era credora da Inglaterra. Perón percebeu que esse modelo era insustentável, mas em 1955 “fizeram o favor” de tirá-lo do poder. Aí, essa experiência peronista, que gerou uma bonança que marcou a história argentina, virou um mito possível.

    De que forma o kirchnerismo se encaixa nisso?

    Todos os governos posteriores tentaram recriar esse mito. Quando chega o ciclo das commodities, entre 2003 e 2013, e o crescimento da China inunda a América Latina de dólares, Néstor e Cristina (hoje vice-presidente) dizem: “É a nossa chance de reconstruir aquele mundo do Perón”. Essa ilusão é a essência do kirchnerismo em matéria econômica. Só que isso é insustentável. Halperin tinha razão. O modelo da Argentina peronista se esgotou.

    Até que ponto é possível dizer que essas crises se devem à questão cambial?

    O dólar na Argentina teria de ser mais caro do que o valor estabelecido pelos governos peronistas. Mas, pela forma como a sociedade argentina se acostumou a viver, uma grande desvalorização do peso levaria qualquer um à derrota eleitoral.

    Que estilo de vida é esse?

    Aqui na Argentina, todos querem viajar para Miami, ter um carro importado e viver acima das possibilidades. É para satisfazer as necessidades de consumo da sociedade argentina, sobretudo nos setores médios, que os governos sobrevalorizam o peso. É esse atraso cambial que gera crises cíclicas. Desvalorização. Pobreza. E começa tudo de novo. É isto que está acontecendo hoje no governo de Alberto Fernández.

    O que difere Fernández de Gustavo Petro, na Colômbia, e Gabriel Boric, do Chile?

    A diferença é que é impossível hoje na Argentina chegar ao equilíbrio fiscal subindo impostos, algo que Boric e Petro até podem conseguir no Chile e na Colômbia. O governo argentino precisa cortar gastos com urgência. É essa a discussão que o governo Fernández tem pavor de fazer. Isso acaba criando uma paralisia, porque Cristina não aceita fazer isso de jeito nenhum. Ela não entendeu que as condições da economia mudaram.

    Com uma inflação batendo quase 90% ao ano, qual seu prognóstico para as eleições de 2023?

    Bom, a coalizão Juntos por El Cambio (opositora) é favorita. Mas não sei se (o ex-presidente) Mauricio Macri (2015-2019) tem chance. Ele tem um problema de rejeição muito alto. O nome mais competitivo da centro-direita é o prefeito de Buenos Aires, Horacio Rodríguez Larreta. A ex-ministra Patricia Bullrich também está bem cotada. A briga dentro da coalizão vai ser grande.

    Por que Macri não conseguiu deixar o peronismo para trás?

    Se você olhar a trajetória econômica do governo dele, o ajuste fiscal que ele precisava fazer era quase impossível de ser feito. Macri precisaria de um capital político enorme. Só que ele não tinha isso. Um ajuste fiscal numa recessão é duro, porque agrava o problema.

    Isso prejudicou também outros governos de direita e centro-direita?

    Sim. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o Paulo Guedes, no Brasil. Os ministros ortodoxos da “direita neoliberal” são excelentes num ciclo expansivo. O (ex-presidente) Lula está pensando que vai encontrar o mesmo mundo feliz de quando era presidente, mas terá uma dura surpresa se for eleito.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

    Últimas