• Mistério Central da Fé: Santíssima Trindade

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  • 12/06/2022 08:00
    Por Mons. José Maria Pereira

    Depois de ter celebrado os mistérios da Salvação, desde o nascimento de Cristo (Natal) até a vinda do Espírito Santo (Pentecostes), a liturgia propõe-nos o Mistério central de nossa fé, a fonte de tudo e à qual tudo deve voltar: a Trindade. Depois de ter revivido o acontecimento de Pentecostes, que renova o batismo da Igreja no Espírito Santo, dirigimos, por assim dizer, o olhar para “o céu aberto”, para entrar com os olhos da fé nas profundezas do Mistério de Deus, Uno na substância e Trino nas Pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo.

    Santo Agostinho afirmou que é difícil encontrar uma pessoa que, falando da Trindade, saiba do que esteja falando (Confissões XIII, II). Trata-se de uma tarefa – como foi revelado em sonho a Santo Agostinho – não menos impossível do que aquela de uma criança que tenta esvaziar o mar, usando uma concha.

    Toda a vida da Igreja está impregnada pelo Mistério da Santíssima Trindade. E quando falamos aqui de mistério, não pensemos no incompreensível, mais na realidade mais profunda que atinge o núcleo do nosso ser e do nosso agir.

    A revelação da Trindade é, portanto, uma cascata de amor: é o gesto supremo da condescendência divina para com o homem. Os gregos diziam: “ Nenhum Deus pode se misturar com o homem” (Platão). Nosso Deus, em vez disso, se misturou com o homem; tramou sua vida com a do homem preparando-o para a comunhão eterna com ele.

    Mas é Cristo quem nos revela a intimidade do mistério trinitário e o convite para que participemos dele. “Ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11, 27). Ele revelou-nos também a existência do Espírito Santo junto com o Pai e enviou-o à Igreja para que a santificasse até o fim dos tempos; e revelou-nos a perfeitíssima Unidade de vida entre as Pessoas divinas (Jo16, 12-15).

    O mistério da Santíssima Trindade é o ponto de partida de toda a verdade revelada e a fonte de que procede a vida sobrenatural e para a qual nos encaminhamos: somos filhos do Pai, irmãos e coerdeiros do Filho, santificados continuamente pelo Espírito Santo para nos assemelharmos cada vez mais a Cristo.

    Por ser o mistério central da vida da Igreja, a Santíssima Trindade é continuamente invocada em toda a liturgia. Fomos batizados em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, e em seu nome perdoam-se os pecados; ao começarmos e ao terminarmos muitas orações, dirigimo-nos ao Pai, por mediação de Jesus Cristo, na unidade do Espírito Santo. Muitas vezes ao longo do dia, nós, os cristãos repetimos: Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo.

    Meditando sobre a Trindade, dizia S. Josemaria Escrivá: “Deus é meu Pai! Se meditares nisto, não sairás desta consoladora consideração.

    Jesus é meu Amigo íntimo! (outra descoberta), que me ama com toda a divina loucura do seu Coração.

    O Espírito Santo é meu Consolador!,  que me guia nos passos de todo o meu caminho. Pensa bem, nisto. Tu és de Deus…, e Deus é teu” (Forja, nº2).

    Desde que o homem é chamado a participar da própria vida divina pela graça recebida no Batismo, está destinado a participar cada vez mais dessa Vida. É um caminho que é preciso percorrer continuamente.

    A Santíssima Trindade habita na nossa alma como num templo. E São Paulo faz-nos saber que o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado (Rm 5, 5). E aí, na intimidade da alma, temos de nos acostumar a relacionar-nos com Deus Pai, com Deus Filho e com Deus Espírito Santo. Dizia Santa Catarina de Sena: “Vós, Trindade eterna, sois mar profundo, no qual quanto mais penetro, mais descubro, e quanto mais descubro, mais vos procuro”.

    Imensa é a alegria por termos a presença da Santíssima Trindade na nossa alma! Esta alegria é destinada a todo cristão, chamado à santidade no meio dos seus afazeres profissionais e que deseja amar a Deus com todo o seu ser; se bem que, como diz Santa Teresa, “há muitas almas que permanecem rodando o castelo (da alma), no lugar onde montam guarda as sentinelas, e nada se lhes dá de penetrar nele. Não sabem o que existe em tão preciosa mansão, nem quem mora dentro dela”. Nessa “preciosa mansão”, na alma que resplandece pela graça, está Deus conosco: o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

    Desde pequenos, aprendemos de nossos pais a fazer o sinal da cruz e chamar a Deus: de Pai, Filho e Espírito Santo. Assim com toda a naturalidade, estávamos invocando o mistério mais profundo de nossa fé e da vida cristã: Santíssima Trindade que hoje celebramos.

    De fato, a Trindade divina começa a habitar em nós no dia do Batismo: “Eu te batizo – diz o ministro – em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. O nome de Deus, no qual fomos batizados, recordamo-lo todas as vezes que fazemos em nós mesmos o Sinal da Cruz. O teólogo Romano Guardini, a propósito do sinal da Cruz, observa: “Fezemo – lo antes da oração, para que… nos ponha espiritualmente em ordem; concentre em Deus pensamentos, coração e vontade; depois a oração, para que permaneça em nós o que Deus nos doou… Ele abraça todo o ser, corpo e alma,… e tudo se torna consagrado em nome do Deus Uno e Trino”. No Sinal da Cruz e no nome do Deus vivente está, portanto, contido o Anúncio que gera a fé e inspira a oração.

    Só Cristo nos revelou claramente essa verdade: Fala constantemente do Pai: Quando Felipe diz: “Mostra-nos o Pai…”, Jesus responde: “Felipe… quem me vê, vê o Pai” (Jo 14,8).

    Jesus promete o Espírito Santo: “Quando vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá à plena Verdade”.

    Quando se despede, no dia da Ascensão, afirma: “Ide… e batizai em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.”

    A contemplação e o louvor à Santíssima Trindade são a substância da nossa vida sobrenatural, e esse é também o nosso fim: porque no Céu, junto de Nossa Senhora – Filha de Deus Pai, Mãe de Deus Filho, Esposa de Deus Espírito Santo: mais do que Ela, só Deus –, a nossa felicidade e o nosso júbilo serão um louvor eterno ao Pai, pelo Filho, no Espírito Santo. Estes vieram em nós no Batismo. Estabeleceram em nós sua habitação e nos são mais íntimos do que nós mesmos, diz Santo Agostinho. Em seu nome e no diálogo com eles desenvolve-se toda a nossa vida de fé, desde o berço até o túmulo. No limiar da existência fomos batizados “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. No ocaso dela, partiremos deste mundo ainda “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.

    Fazendo o sinal da Cruz, nós declaramos, a cada vez, nossa vontade de pertencer à Trindade.

    Façamos nossa a oração de Santo Hilário de Poitiers: “Conserva incontaminada esta fé reta que está em mim e, até ao meu último respiro, dá-me igualmente esta voz da minha consciência, para que eu permaneça sempre fiel ao que professei na minha regeneração, quando fui batizado no Pai, no Filho e no Espírito Santo”.

    Invocando a Bem-Aventurada Virgem Maria, primeira criatura plenamente inabitada pela Santíssima Trindade, pedimos a sua proteção para prosseguir bem a nossa peregrinação terrena.

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