Ministério Público apura fraudes em pesquisas eleitorais autofinanciadas
Recordista na supervisão de sondagens eleitorais nas duas últimas eleições, o estatístico Augusto da Silva Rocha voltou a ser alvo do Ministério Público Federal em 2022 por fraudes em pesquisas de intenção de voto. Rocha é investigado por suspeita de manipular levantamentos em diferentes campanhas nos últimos anos. Também enfrenta apurações no Conselho Federal de Estatística. Foi o profissional que liderou o maior número de levantamentos financiados pelos próprios institutos desde 2018 no País. Somente em 2022, tem sob sua responsabilidade 62 trabalhos com essa modalidade de financiamento. Sua defesa nega que ele tenha cometido irregularidades.
As sondagens autofinanciadas geram desconfiança. Há suspeitas de que sejam produzidas sem qualidade. Ao informar que realizaram as pesquisas sem contratante externo, esses institutos não precisam revelar a origem do dinheiro. O temor é de que candidatos tentem forjar sondagens para influenciar os eleitores. O objetivo seria induzir votos.
O número de pesquisas eleitorais aumentou significativamente em 2022. Ao mesmo tempo, as sondagens viraram alvo de questionamentos judiciais. De 1.º de janeiro a 30 de agosto de 2022, o volume de processos em todo o País saltou 582% na comparação com o mesmo período de 2018, segundo levantamento feito pelo Estadão/Broadcast em Tribunais Regionais Eleitorais e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O Instituto Ranking Brasil, sob responsabilidade de Rocha, fez sete pesquisas sobre a eleição para presidente em 2022. Há, ainda, quatro pesquisas em Mato Grosso do Sul. Todas foram pagas com recursos próprios. Mas a empresa é investigada pelo MPF por suspeita de irregularidades. Foi aberta em janeiro do ano passado, em Campo Grande (MS), como microempresa individual. Seu capital social é de R$ 25 mil. Pelo tamanho, o nome do proprietário não consta em registros da Receita Federal.
Em um dos trabalhos, o presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) lidera em Mato Grosso do Sul. A sondagem foi registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Também foi divulgada por um veículo local. Diante da ação do MPF, saiu do ar.
“Ainda que não exista proibição expressa na legislação eleitoral quanto à própria empresa patrocinar suas pesquisas, há a necessidade de ser justificada a procedência da disponibilidade financeira, sendo que a inexistência desta informação descumpre o previsto na resolução do TSE que dispõe que devem ser informados, obrigatoriamente, o valor e a origem dos recursos gastos na realização da pesquisa”, disse Pedro Gabriel Siqueira Gonçalves, procurador regional eleitoral de Mato Grosso do Sul.
Siqueira assina uma manifestação do Ministério Público Federal sobre Rocha. No documento, pede a apuração dos levantamentos feitos pelo estatístico. Em parecer enviado ao juiz eleitoral Alexandre Branco Pucci, sustenta que a prática das empresas de pagar os próprios levantamentos pode mascarar caixa 2. “Com recursos próprios, a empresa não precisa apresentar nota fiscal, tampouco prestar contas sobre a origem do dinheiro.”
CONSELHO
As pesquisas bancadas por institutos representam 63% de todas as sondagens registradas no TSE. Deputados tentaram incluir no projeto do Código Eleitoral, em 2021, regra que proibia pesquisas autofinanciadas por institutos, mas ela não avançou.
Segundo o Conselho Regional de Estatística da 4.ª Região (Conre-4), Rocha tem atuado como “verdadeiro avalista de empresas que exercem ilegalmente a profissão de estatístico”. Em 2020, disse o órgão, o profissional trabalhou como estatístico responsável por 11 empresas que descumpririam a exigência de registro no conselho da categoria. “Não seria possível o registro de trabalhos estatísticos sem a conivência de um estatístico que assinasse os mesmos na condição de responsável técnico”, afirma o relatório assinado pelo presidente do conselho, Gabriel Afonso Marchesi.
Há práticas suspeitas em outros institutos. O Ipop Cidades & Negócios liderou pesquisas autofinanciadas na eleição passada. Virou alvo de operação do Ministério Público de Goiás. Reportagens mostraram que o dono do instituto, Márcio Rogério Pereira Gomes, era suspeito de produzir pesquisas fraudulentas. Ele foi preso. O MP o acusou de falsidade ideológica, lavagem de dinheiro e associação criminosa.
CENSURA
Em nota, o Instituto Ranking Brasil afirmou que “repudia as tentativas de censura e a intenção de macular a imagem da empresa”. “Várias ações judiciais têm sido apresentadas com a intenção de colocar em dúvida os levantamentos de dados do instituto. Repetimos o plano amostral para sabermos as mudanças de opiniões e o comportamento dos eleitores ao longo de uma eleição”, diz a nota.
A defesa de Rocha declarou que “não há obrigatoriedade legal de emissão de nota fiscal pelo instituto”. Sobre a origem dos recursos, o advogado Marcio Antônio Santana da Silva, que defende o estatístico na Justiça Eleitoral, afirmou que a empresa “tem como objeto social pesquisa de mercado e de opinião pública” e que os recursos seriam oriundos daí.
Procurado, o Ipop, não quis se pronunciar.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.