• Minha colombina

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  • 23/02/2017 12:00

    De repente, na solidão da velhice, diante de uma televisão multicolorida de plumas mal cobrindo os curvilíneos contornos das musas femininas, meu pensamento distou de tudo aquilo, precipitando-se no abismo das lembranças, caindo, caindo como em um tunel fantasioso do tempo.Linhas do passado escorriam pelos meus olhos que, de baços e sem brilho, voltavam a ver contornos, saliências, eliminando miopias, negrumes e manchas que, antes, turvavam a visão. Ouvia acordes musicais, expressões de alegria, ritmos cadenciados e cantores e cantoras vibrando acordes de marchinhas saltitantes. E via foliões girando, rodopiando, frenetizando o ambiente quente e caloroso com as alegrias do desprender-se da realidade.

    Estava com eles e sentia nas narinas o adociado olor dos lança-perfumes inebriantes. Minha fantasia, nem sei se de pierrô ou arlequim, conquistara uma linda colombina, de sapatinhos de balé e vestida com as cores das tules alegres em suas tessituras etéreas.

    Dançava, rodopiava, pulava dentro de um salão enfeitado de máscaras e por onde esvoaçavam confetis e serpentinas, cantando marchinhas que de tudo falavam e criticavam e nem suspeitava eu que feriam susceptibilidades etnológicas.

    No raiar do dia, ao desaparecer dos pares juntava-se a realidade do abandono. Estonteado, em procura da colombina, sozinho e na tristeza da alegria morta, via o fugaz amor fundir-se ao passado ocultando-se nos salões da reminiscência.

    Eis que pareço adormecer em uma esquina qualquer do salão e sou acordado pela companheira para a ingestão dos remédios de cada dia, sustentáculos da vida do cansado corpo e alimento do coração já despedaçado por tanta saudade.

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