• Medo de avião

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  • 02/04/2018 13:30

    Existem várias razões para se escolher uma profissão. Escolhi a minha ainda no início da adolescência, período em que estudava para o extinto Exame de Admissão. Prova esta aplicada quando as crianças saíam do Primário para ingressar no antigo Ginásio, que corresponde hoje ao 2º segmento do Ensino Fundamental. Essa escolha foi mais conduzida pelo gosto do saber do que pela influência de meus pais. Quem mais contribuiu nessa decisão foram os meus irmãos, meus primeiros alunos. Não pensava no salário, o que enchia meus olhos eram os 4 meses de férias: dezembro, janeiro, fevereiro e julho. Isso também não existe mais.

    Na época em que fiz o Exame de Admissão, a palmatória funcionava a todo vigor. O meu recorde de bolos foram 36, uma dúzia por erro ortográfico no ditado. A professora ditava as palavras e tínhamos que escrever corretamente. Um dia, por três erros, levei esse castigo. Mas guardo o orgulho por não ter chorado. Na época, falou mais alto a premissa da cultura nordestina: “cabra macho não chora.” – Isso também já mudou. Nem Casimiro de Abreu tem saudade da palmatória, que a conheceu aos 8 anos na escola.

    A maior parte da minha vida passei em sala de aula, seja como aluno, seja como professor; mas sempre aprendendo. Na semana passada, fui surpreendido com alguns fatos engraçados, quando falava da crônica nas minhas turmas de 8º ano. 

    Na primeira aula, às 7:00 horas, os alunos ainda estavam sonolentos, tentei despertá-los com a leitura do texto “Emergência” de Luís Fernando Veríssimo, que se encontra no livro didático. Essa crônica relata as aflições de um passageiro de primeira viagem, que entra no avião muito desconfiado.

     Na segunda turma, li, com os alunos, o mesmo texto e pedi que citassem um fato que tivessem presenciado quando se dirigiam para a escola. 

     Muitos falaram da árvore que caiu na rua da Imperatriz, dos estragos da chuva. Mas um aluno, sentado ao lado da parede disse:

    – Professor, eu não vi nada. Vim dormindo no ônibus.

    Na tentativa de puxar algum assunto, perguntei:

    – Em que bairro você mora? 

    – No Meio da Serra.

    Outro aluno, que estava ao lado, tomou a palavra:

    – Professor, acredita nisso não. É mais fácil dormir numa montanha russa do que naqueles ônibus que passam na Serra Velha. Tem muito buraco, muito solavanco e muita curva. Não dá pra dormir.

    Fiz as minhas ponderações para conciliar:

    – Olha, eu também já andei nos ônibus que passam por lá. Realmente existem muitas curvas e muitos buracos, mas já vi pessoas sentadas com os olhos fechados. Se estavam dormindo, não posso afirmar. Mas é difícil dormir com tanta trepidação, só mesmo muito cansado.

    Mas o embaraço maior surgiu na terceira turma. Após a leitura do texto, uma aluna saiu em defesa do personagem da narrativa:

    – Professor, o passageiro tem razão. Como você vai viajar num troço que pode cair e matar todo mundo?

    – Viajar de avião é seguro. Esses procedimentos citados no texto são cuidados que devemos ter em caso de emergência.

    – Mas isso assusta. Você entra no avião pra viajar e corre o risco de morrer, porque ele pode cair.

    Para acalmá-la, primeiro estabeleci a diferença entre possibilidade e probabilidade. Disse a ela que a probabilidade de uma pessoa ser atropelada ao atravessar uma rua é maior do que um avião vir a cair. Há mais atropelamentos do que quedas de avião. Nesse ponto, ela concordou.

     No canto esquerdo do quadro coloquei um 0 e uma vírgula, depois mais zeros. No canto inferior da direita, coloquei o 1. Antes que eu completasse o raciocínio, ela falou:

    – Professor, o problema é esse 1 aí. Prefiro ficar na Terra.





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